Gilberto Barbosa dos Santos
Neste primeiro texto do ano poderia trazer aqui questões alusões à pandemia que, ao que tudo indica, demorará um certo tempo para arrefecer no interior da sociedade humana e isso por diversos fatores, todavia, optei por outra temática tão importante quanto as questões envolvendo os problemas provocados pelo vírus Covid-19. Lógico que o assunto acabará se voltando para esse universo, levando em conta que em outubro os brasileiros serão convocados à escolher o novo chefe do Executivo Federal e aí, tudo o que aconteceu nos últimos dois anos, inclusive negar, sabotar, buscar culpados onde não existem já que a sociedade consciente sabe o quanto o negacionismo, a zombaria, sátira, ironias de diversos quilates preponderaram ocasionando mais de 600 mil mortes, enquanto as autoridades e cientistas faziam a parte deles tentando evitar uma tragédia que se abateu sobre a Nação e ainda persiste entre nós. Posto isto, meus caros leitores, entendo que seja interessante abordar o mundo da Política eleitoral e as disputas pelo poder, seja ele em que esfera da vida ativa for.
Neste sentido é que começarei a enunciação a partir de dois fragmentos importantes: o primeiro diz respeito ao universo da semiótica e é de autoria do semiólogo francês Roland Barthes [1913-1980] e faz parte do livro Aula [São Paulo: Cultrix, 2007], cujo conteúdo diz respeito a uma aula inaugural que o professor ministrou em janeiro de 1977 na cátedra de Semiologia Literária no Colégio de França. O que uma abordagem semiótica estaria fazendo em minhas reflexões, podem estar-se perguntando os meus leitores. Explico-vos: o teor diz respeito ao universo do discurso como fonte do poder, ou melhor, o próprio sentido discursivo visa a manutenção ou as disputas por poderes. O segundo ponto é um pequeno excerto retirado do trabalho do historiador brasileiro, José Murilo de Carvalho, intitulado A formação das almas [São Paulo: Companhia das Letras, 2021]. Segundo o autor do trabalho Os bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi [São Paulo: Companhia das Letras, 1991] “como discurso, as ideologias republicanas permaneciam enclausuradas no fechado círculo das elites educadas” [CARVALHO, 2021, p. 10].
Creio que, se somando a esse olhar do historiador, a indagação de Roland Barthes seja profícua nessa primeira tentativa de se pensar a política brasileira neste início de ano. Segundo o semiólogo francês “a ‘inocência’ moderna fala do poder como se ele fosse um: de um lado, aqueles que o têm, de outro, os que não o têm; acreditamos que o poder fosse um objeto exemplarmente político; acreditamos agora que é também um objeto ideológico, que ele se insinua nos lugares onde não o ouvíamos de início, nas instituições, nos ensinos, mas, em suma, que ele é sempre uno” [Cultrix, 2007, p. 10-11]. Mais: “por toda parte, vozes ‘autorizadas’, que se autorizam a fazer ouvir o discurso de todo poder: o discurso da arrogância. Adivinhamos então que o poder está presente nos mais finos mecanismos do intercâmbio social não somente no Estado, nas classes, nos grupos, mas ainda nas modas, nas opiniões correntes, nos espetáculos, nos jogos, nos esportes, nas informações, nas relações familiares e privadas, e até mesmo nos impulsos liberadores que tentam contestá-lo” [2007, p. 11].
Posto isto, me parece que seja interessante caminhar um pouco mais e, mesmo de forma lacônica acrescentar algumas linhas no que diz respeito ao universo do discurso objetivando o poder. E é Barthes quem nos diz algo sobre essa questão. “Chamo de discurso de poder todo discurso que engendra o erro e, por conseguinte, a culpabilidade daquele que o recebe. Alguns esperam de nós, intelectuais, que nos agitemos a todo momento contra o Poder; mas nossa verdadeira guerra está alhures: ela é contra os poderes, e não é um combate fácil: pois, plural no espaço social, o poder é, simetricamente, perpétuo no tempo histórico: expulso, extenuado aqui, ele reaparece ali; nunca perece; façam uma revolução para destruí-lo, ele vai imediatamente reviver, re-germinar no novo estado de coisas. A razão dessa resistência e dessa ubiquidade é que o poder é o parasita de um organismo trans-social, ligado à história inteira do homem, e não somente à sua história política, histórica. Esse objeto em que se inscreve o poder, desde toda eternidade humana, é: a linguagem – ou, para ser mais preciso, sua expressão obrigatória: a língua” [Cultrix, 2007, p. 11-12]. Linguagem enfoca não somente o processo de fala, mas sobretudo a construção de signos que se dissemina no imaginário social, por meio do qual “se podem atingir não só a cabeça, mas de modo especial, o coração, isto é, as aspirações, os medos e as esperanças de um povo. É nele que as sociedades definem suas identidades e objetivos, definem seus inimigos, organizam seu passado, presente e futuro. O imaginário social é constituído e se expressa por ideologias e utopias, sem dúvida, mas também […] por símbolos, alegorias, rituais, mitos. Símbolos e mitos podem, por seu caráter difuso, por sua leitura menos codificada, tornar-se elementos poderosos de projeção de interesses, aspirações e medos coletivos. Na medida em que tenham êxito em atingir o imaginário, podem também plasmar visões de mundo e modelar condutas” [José Murilo de Carvalho. A formação das almas: o imaginário da República no Brasil. 2.ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2021, p. 11]
E já que fiz referência ao universo dos signos, segundo o semiólogo francês, é por meio deles que a língua se corporifica, portanto, “só existem na medida em que são reconhecidos, isto é, na medida em que se repetem; o signo é seguidor, gregário; em cada signo dorme este monstro: um estereótipo: nunca posso falar senão recolhendo aquilo que se arrasta na língua. Assim que enuncio, essas duas rubricas se juntam em mim, sou ao mesmo tempo mestre e escravo: não me contento com repetir o que foi dito, com alojar-me confortavelmente na servidão dos signos: digo, afirmo, assento o que repito” [Cultrix, 2007, p. 15]. Diante dessa pequena exposição, vos pergunto meus caros leitores que chegaram até esse momento de minha tentativa de reflexão: qual é o Brasil que desejam ver erigido nos próximos anos? Ou melhor, a partir de que signos querem auxiliar na reconstrução desta Nação que nos deu celebridades como o escritor carioca Joaquim Maria Machado de Assis [1839-1908]? Claro que todo esse trabalho passa pelo mundo da política e como bem lembrou José Murilo de Carvalho, “todo regime político busca criar seu panteão cívico e salientar figuras que sirvam de imagem e modelo para os membros da comunidade” [p. 15]. Creio, aqui do meu lugar de fala, ou melhor, de escrita, que desde a promulgação da Constituição de 1988, cuja alcunha ficou em nossas mentes como sendo a Constituição Cidadã, não se pode acreditar em palavrórios e cantos da sereia propalados por líderes que prometem isso e aquilo, aniquilar com seus inimigos criados por intermédio de mensagens apócrifas, difamadores e inverídicas, apresentando um claro desejo de autocracia. Neste sentido, sempre recordo um fragmento de Karl Marx (1818-1883) que faz parte do livro O 18 Brumário [Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986]. Seu escopo era analisar o problema político da França Oitocentista na figura de Luiz Bonaparte [1808-1873] que tinha laços sanguíneos com Napoleão Bonaparte [1769-1821], ou seja, o tio pelo sobrinho indicando que a História se repetia: uma vez como farsa e outra como tragédia. Sendo assim, é preciso todo o cuidado para não perpetuar equívocos respaldados em ressentimentos e ódios.
Gilberto Barbosa dos Santos, Sociólogo político, editor do site www.criticapontual.com.br, autor do livro O sentido da República em Esaú e Jacó, de Machado de Assis; professor no ensino médio em Penápolis; pesquisador do Grupo de Pensamento Conservador – UNESP – Araraquara e membro do Conselho Editorial e Científico da revista LEVS (Laboratório de Estudos da Violência e Segurança) – UNESP – Marília; escreve às quintas-feiras neste espaço: e-mail: gilcriticapontual@gmail.com, d.gilberto20@yahoo.com, www.criticapontual.com.br.