Povo e poder

Gilberto Barbosa dos Santos

 

Entre massas asfálticas e outras pizzas, a humanidade caminha, um pouco rápida de mais, dependendo do setor ou, lenta em determinadas áreas. Por exemplo, enquanto no mundo tecnológico, as mudanças são tão velozes quanto um Formula 1, no universo da política, as transformações estão vindo em pesados carros de bois – os resultados todos já sabem: um Legislativo plutocrático e um Executivo que apenas chancela interesses privados que enxergam nos cofres públicos grandes oportunidades de enriquecimentos ilícitos ou quase que legais.

Esse é o teatro macabro que encena suas narrativas tétricas desde que a Monarquia foi eliminada e, em seu lugar, constitui-se uma República que, de do povo, não se tem nada, já que todos os que gravitavam em torno da Coroa – metade lisboeta, metade brasileira – conseguiram uns cargozinhos na estrutura administrativa e burocrática do novo regime que, quiçá a nomenclatura, continuava e permanece a mesma coisa. Quem quiser confirmar essa observação, tem vasto material sobre isso, inclusive minha dissertação de mestrado em Ciências Sociais defendida recentemente na UNESP – campus de Araraquara. Há também riquíssimos materiais literários, entre eles, o penúltimo romance de Machado de Assis (1839-1908) Esaú e Jacó e As cartas de Erasmo, de José de Alencar (1829-1877) – todo esse material está disponível no site da Academia Brasileira de Letras (http://www.academia.org.br/).

Diante do exposto acima, penso ser salutar externar aqui conversa que mantive com um interlocutor leitor das minhas reflexões e aforismos dominicais. O fulcro do diálogo foi a situação política nacional. O interessante a apontar nessa reflexão diz respeito à ideia que a sociedade faz da categoria política, principalmente a encastelada na capital federal brasileira. É significativo perceber que a culpa recai sempre sobre a cúpula palaciana. Todavia, o poder é de quem? Do povo ou do Congresso Nacional, como diz o refrão da música da banda punk, Inocentes: Pátria Amada? Por incrível que pareça, a maioria dos eleitores acha que a culpa é toda dos vereadores, deputados estaduais, federais, senadores, governadores, prefeitos e presidente da República. Desta forma, a indagação começa pela observação feita pelo ator Charles Chaplin, segundo a qual “o poder é do povo e ao povo retorna sempre”. Ora, se o poder pertence ao povo, então por que coadunar com representantes de baixa estirpe e de índoles morais duvidosas e comportamentos antiéticos?

Responder a esta interpelação, não me parece tarefa árdua, todavia, requer coragem do cidadão com cidadania, ou com baixo conhecimento político e do poder que o seu voto tem no momento do pleito. Neste sentido, é preciso ressaltar que a sociabilidade, numa sociedade em que o indivíduo defende político condenado pela Justiça Federal por envolvimento em corrupção e desvio do dinheiro público, está em desuso, principalmente quando esse sujeito e seus asseclas, agridem verbalmente ou distribuem aleatoriamente impropérios aos “amigos” e proto-inimigos somente porque suas toscas visões ideológicas, ou melhor, visões de mundo na esfera política, não compactuam com a de seus semelhantes que devem ter lá suas razões para não desejarem ver no poder principal do país um político enrolado até o pescoço com delitos praticados durante seus mandatos e, depois que deixou o poder na capital candango, continuou o périplo pelo mundo da corrupção.

Até ai nada de mais, pois divergir faz parte do processo democrático e para uma existência saudável na polis, no entanto, a coisa beira ao descalabro quando as diferenças deixam o mundo da política e invadem a esfera privada e esses sujeitos passam a desqualificar seus adversários políticos no afã de continuarem na crista da onda, como se diz no jargão popular. Quando se chega nesse ponto, para se manter no poder, ou como diz Michel Foucault (1926-1984), micropoder, vale tudo: humilhar, ofender, adjetivar de forma negativa, dissimulação e outras pechas, usando para isso erroneamente alguns preceitos imortalizados pelo pensador florentino Nicolau Maquiavel (1469-1527), segundo os quais “os fins justificam os meios”! É imperativo apontar que, muitos sujeitos sociais, constroem e mantêm guerras fratricidas apenas para se manterem no que chamo de poder simbólico, seja ele em que esfera for, conforme apontamentos do pensador francês Pierre Bourdieu (1930-2002).

Posto isto, convém questionar se essa busca pelo micro-poder, ou o poder simbólico no âmbito da micro-política, governa os eleitos ou seus eleitores? Lógico que a resposta pode começar pelo diálogo que mantive com o meu interlocutor, pois todos os mais de cinco mil municípios brasileiros possuem suas câmaras constituídas a partir da vontade de seus cidadãos. Se os cargos não são de livre provimento dos eleitos, mas sim de quem os escolhem, o problema maior passa a ser então daqueles que indicam, ou melhor, votam, por exemplo, para serem representados nos legislativos espalhados pelo país.  Sendo assim, não se trata de culpar esse ou aquele, mas sim de instruí-los de forma correta para que possam participar do pleito, de maneira consciente e não porque esperam que os eleitos devolvam os votos que receberam através das mais diversas formas de favor – aliás, essa é a maior pobreza do nosso sistema político: aos amigos dos reis tudo, aos adversários, os rigores das leis.

Esse sistema draconiano é mantido através de práticas populistas e, lamentavelmente, pela política do pão e circo, tão bem alegorizada pelas narrativas machadianas presentes nos romances, entre eles, Memórias póstumas de Brás Cubas, entre outras. Parece-me que a qualidade da casta de políticos encastelada no sistema político-partidário nacional se deve a conduta como essas: de um lado, severos capitães-do-mato ávidos pelas migalhas que caem do poder estão sempre prontos a aterrorizar os inimigos ou adversários, conforme o escritor Jorge Amado (1912-2001) tão bem nos narrou em suas enunciações que ficcionalizaram práticas políticas do interior do Nordeste brasileiro. Se por um lado temos os capangas pós-modernos escondidos atrás de roupagens tecnológicas ou em discursos ideológicos pré-fabricados por apaniguados e asseclas encarregados de disseminarem palavras de ordem que pegam os desavisados de surpresa e o certo passa a ser o duvidoso ou a inverossimilhança ou inverdade, como queiram os meus caros leitores. Por outro, nos esbarramos a uma massa amorfa desejosa das migalhas que caem do alto do trono personificadas em benesses que, somente os amigos do rei são portadores. Nesse ponto, observa-se que a qualidade dos políticos diz muito sobre quem os escolhem.

 

Gilberto Barbosa dos Santos, Sociólogo/Cientista Político, editor do site www.criticapontual.com.br, professor no ensino superior e médio em Penápolis; pesquisador do Grupo Pensamento Conservador – UNESP e membro do Conselho Editorial e Científico da revista LEVS-UNESP; escreve às quintas-feiras nesse espaço: E-mail: gildassociais@bol.com.br. , gilcriticapontual@gmail.com, e social@criticapontual.com.br.

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