Olhar Crítico

Praça e poesia

Num certo dia entre os últimos 20 anos, passeava pela praça central da cidade com meu filho ainda pequeno e nos deparamos com um sujeito que, aparentando estar alcoolizado, deitado num dos bancos da nossa Dr. Carlos Sampaio, cantarolava, ou melhor, tentava balbuciar uma melodia, entretanto, a compreensão era muito difícil, portanto, inaudível. Meu parceiro de caminhada por aquele espaço perguntou por que não chamávamos a polícia. Então, lhe indaguei sobre o que motivaria tal ação. Este respondeu que era por conta do bêbado-cantor. Então inquiri-o no que diz respeito ao que estaria fazendo de errado aquele homem que tentava espantar seus males com álcool e música? Aproveitei a ocasião para buscar um fragmento poético para dizer ao meu interlocutor que a praça é do povo assim como o céu é do condor. Expliquei que eram fragmentos de um certo Castro Alves (1847-1871), mais conhecido como poeta dos escravos e seu “Navio Negreiro”.

 

Ágora  

E já que a temática é a praça, conhecido ambiente desde a Grécia Antiga, onde o povo tomava as decisões relativas à polis – corrijam-me os especialistas em História Antiga – te pergunto meu caro amigo leitor, tu sabes a origem do termo “voto de Minerva”? Como todos sabem o nosso presente é amplamente recheado pelas narrativas greco-romanas e a questão envolvendo a tal da minerva também advém daqueles tempos, dizendo respeito ao universo mitológico romano. Minerva então seria a deusa da Justiça. Por isso nas Cortes Supremas do país, como por exemplo, no STF (Supremo Tribunal Federal) é preciso ter sempre um voto de desempate, o chamado Minerva e todos aqui em Penápolis, pelos menos aqueles que se recordam da história recente, sabe no que resultou um voto de minerva daquele que hoje se engalfinha com seu antecessor, fazendo me lembrar do diálogo entre o monstro e o seu criador: Frankenstein: “agora o criador nega a criatura”.

Escolhas

E como estou tratando de números, desempates, minervas e outros desdobramentos das decisões dos representantes da coletividade, me parece salutar te perguntar, meu caro leitor, em que momento na praça política os atuais representantes da coletividade penapolense foram escolhidos? Ah! Não posso deixar de interpelar aqui o que considero mais importante: quais foram os motivos que levaram os eleitores a optarem por esse ou aquele governante e isso vale para a paróquia local, estadual e nacional. Esse olhar me faz reportar ao ator Charles Chaplin (1889-1977) quando este disse que “os homens que odeiam desaparecerão, os que ditadores sucumbem e o poder que do povo arrebataram há de retornar ao povo”. Sendo assim, como diz o velho adagio, nada melhor do que uma eleição após outra.

 

Onze

E para sequenciar essa querela de minervas e outros arautos que aparecem de tempos em tempos, ou nem chega a desaparecer, já que se apresentam com outra roupagem, assim como as nuvens lá no céu: hoje o fraque é de oposição e amanhã a cartola é de governança, acho interessante abordar aqui o livro Os onze: o STF, seus bastidores e suas crises (SP: Cia das Letras, 2019). A obra é significativa para aqueles que desejam saber mais sobre a Política para além das mazelas e traquejos palacianos. Isto é, compreender o Brasil para além do que se pensa no campo da oficial quando tudo acontecesse de forma oficiosa e plutocrática, como nos explica o escritor e político conservador José Martiniano de Alencar (1829-1877) em seu trabalho Cartas de Erasmo ao Imperador (ABL). Meus caros, creio que a leitura desses dois trabalhos pode ajudar, e em muito, entender porque é tão difícil se tornar um cidadão de fato e de direito aqui no Brasil e aqueles que o são de fato, devem estar isolados ou numa luta hercúlea com os doutores Tânatos e seus asseclas e outros Carontes.

 

Aprendizado moral e cidadania

“Todo processo de aprendizado moral, individual ou coletivo, implica, antes de tudo, a consideração de interesses de valores que ultrapassam a esfera individual mais estreita […]. Ser cidadão implica que nosso pertencimento político não se define por laços restritivos de sangue ou localidade e sim por ideia de uma comunidade maior e mais geral” [Jessé Souza. A ralé brasileira: quem é e como vive. 3.ed. São Paulo: Editora Contracorrente, 2018, p. 36].

 

Fragmento

A pequena assertiva acima tem como escopo tentar entender não o entrevero entre o atual prefeito de Penápolis e seu antecessor e mentor, mas sim como é que a sociedade pode assistir silenciosamente o descaso com um dos nossos cartões postais mais belo: a praça Dr. Carlos Sampaio. Tudo começa com a destituição dos antigos bancos que indicavam uma história local interessantíssima, pois havia as propagandas nos encostos daqueles assentos, incluindo as famílias que colaboraram para que aquele espaço ficasse belíssimo. Reza a lenda que um ex-prefeito ficava olhando a fonte luminosa, que supostamente, teria sido construída com o dinheiro de seu bolso aferido da venda de uns bois dos quais era proprietário. Pode ser real ou mito, mas como sempre tenho afirmado, mito é uma narrativa que pode ter acontecido ou não, mas faz parte da historicidade de determinados locais que se encarregam de mantê-las viva.

 

Pretérito

Vai-se o tempo, dias, semanas, meses, anos, décadas e ainda é possível encontrar algumas pessoas pelo passeio público olhando tudo naquela praça como se recordasse amores sentidos e não vividos ou, se vivenciados, consumidos pelo tempo e pela saudade. É! Acho que fiz uns versos, meus caros leitores, contudo, se eu não os confeccionei, porém, os saudosistas continuam a andar pelas vielas da praça, param diante da fonte que mais parece um navio fantasma do que realmente um espaço que jorrava água em meio as luzes florescentes, enquanto casais juravam amor eterno, nem que o etéreo durasse apenas uma semana e no outro sábado, havia outros casais fazendo as mesmas promessas como se a fonte fosse realmente o ponto máximo do amor entre duas pessoas.

Projetos 

Nem só de casais de namorados foram feitos aquele passado, principalmente no que diz respeito às tardes dominicais. Naquela época a prefeitura criou um projeto interessante chamado “Domingo na Praça” em que a movimentação ficava efervescente desde o matutino terminando apenas na parte da noite. Depois tentaram descentralizar o evento, criando o Domingo na Praça itinerante até que afogaram o programa na burocracia e disse-que-me-disse dos corredores palacianos e é o que temos agora: uma praça entregue, não mais aos condores, como dizia Castro Alves, mas as memoráveis lembranças daqueles que viveram dias maravilhosos em torno da fonte. Acho que seria alvissareira iniciativas como “Salvem as praças de Penápolis”, a exemplo do que foi realizado na praça da Vila América, aquela localizada próxima da famosa rua Ceará. gilcriticapontual@gmail.com, d.gilberto20@yahoo.com,   www.criticapontual.com.br

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