Olhar Crítico

Memória

Começo meus aforismas deste domingo, dedicado aos pais, recordando de um ser que, por uma fatalidade, não pude conhecer, contudo, tudo o que escuto falar dele só aumenta o enaltecimento que faço dele: Francisco Barbosa dos Santos (1939-1970). Teve sua jornada terrena abruptamente interrompida quando trabalhava para levar para casa o pão de cada dia para sustentar os quatro filhos, enquanto aguardava a chegada de outro. Não tenho heróis, mas se fosse para ter um, com certeza, este seria o Chiquinho, como era carinhosamente chamado pelos seus amigos e pelas pessoas que lhe tinham respeito, carinho e muita admiração. O seu desencarne precoce aconteceu há 51 anos e desde então sua memória vem me ensinando tudo sobre ser ético e ter princípios morais que norteiam a conduta de um homem em sociedade. Ele não teve tempo para dizer como era para fazer, mas fazia, e tanto é que foi retirado da convivência com os seus por cumprir corretamente com seus deveres de funcionário, pai e esposo.

 

Exemplo

Sendo assim, sempre afirmo: hoje sou pai e posso afiançar que é uma das melhores, senão, a melhor coisa que se pode ter. Não é dizer como tem que ser, mas ensinar como pode ser e, acima de tudo, não dizer que deve ser feito assim, mas na concretude da vida não ser fraudento, corruptor, corrompido, desleal, desonesto. O filho aprende mais por ver do que ouvir, entretanto, no meu caso, a fatalidade me tirou a convivência, contudo, a minha escuta sempre me norteia no meu cotidiano e, desta forma, nesses quase 20 anos que passei a condição de filho para pai, continuo a semear aquilo que creio ser o correto na convivência social. Não posso ser feliz se, para atingir um fim específico, eu atropelei processos, passei a perna, finjo ser uma coisa que não sou. Sendo assim, como posso dizer ao meu filho qual é a conduta correta se eu estou fora da estrada? Então que o dia de hoje seja importante para quem é pai, é filho, e avô [pai duas vezes, pois o ensinamento nunca cessa].

Crônica

Diante do exposto acima, quero a licença dos meus leitores dominicais para dialogar com uma crônica que o jornalista Antonio Callado (1917-1997) [ele é autor do romance Quarup. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984] publicou num jornal brasileiro no dia 31 de outubro de 1979 e intitulado “O pais que não teve infância”. A reflexão faz parte do livro O país que não teve infância: as sacadas de Antonio Callado: crônicas políticas. [Belo Horizonte, MG: Autêntica, 2017]. O escopo de sua enunciação é tratar de uma carta do escritor lusitano Eça de Queiroz (1845-1900) ao seu amigo brasileiro Eduardo Prado (1860-1901). A tal missiva foi publicada em 1911 e está no livro Últimas páginas. “A carta, que foi a derradeira de A correspondência de Fradique Mendes é do ano de 1888 e merece sem dúvida ser chamada curiosa. Eça a escreve como se estivesse regressando de uma viagem extensa pelo Brasil quando aqui jamais pisou” [CALLADO, 2017, p. 28].

 

Enunciação

“Começa assim: ‘Meu caro Prado, a sua tão excelente carta foi recebida no devoto dia de S. João, neste fresco refúgio d’arvoredos e fontes onde estou repousando dos sombrios esplendores da Amazônia, e da fadiga das águas atlânticas’. Mais adiante diz, como a confirmar a viagem: ‘Percorri todo o Brasil à procura do novo e só encontrei o velho, o que já é velho há cem anos na nossa Europa”. Interessante olharmos com a devida acuidade, meus caros leitores dominicais, que, embora a narrativa seja do final do século XIX, parece que o signatário está abordando o Brasil de hoje que já estava presente no de outrora país oitocentista. Desta forma, fico aqui neste domingo dedicado ao Dia dos Pais, com uma questão engasgada na goela: em tempos de total revolução tecnológica, pois ainda aqui nas paragens brasileiras, a impressão que se tem é de que o tempo parou na Nação que ilustra o clássico Visão do paraíso [São Paulo: Brasiliense; Publifolha, 2000], escrito pelo intelectual brasileiro Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982).

 

Relato

“Na realidade, com sua missiva, tão apoiada em visita que nos fez, o Eça parece querer dar uma força às severas críticas que tem a fazer por achar que ‘os brasileiros, desde o imperador ao trabalhador, cuidam a desfazer, portanto, a estragar o Brasil’. Um artista, acrescenta, ‘pode moldar o barro inerte que tem sobre a tripeça de trabalho, e fazer dele, à vontade, uma vasilha ou um deus. Não desejo ser irrespeitoso, meu caro Prado, mas tenho a impressão que o Brasil se decidiu pela vasilha’” [CALLADO, 2017, p. 28]. Interessante colocação que me faz recorrer ao filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900), mais especificamente à sua obra O nascimento da tragédia ou helenismo e pessimismo [São Paulo: Companhia das Letras, 1992]. Na página 59 desta minha edição, o pensador diz a certa altura de sua reflexão: “o poeta só é poeta porque se vê cercado de figuras que vivem e atuam diante dele e em cujo ser mais íntimo seu olhar penetra”.

 

Minerva

Posto isto, fico cá com uma questão, por menor que seja, isto é, como um grão de areia frente ao deserto, mas ainda assim é uma interpelação: Eça de Queiroz não veio ao Brasil, contudo, errou ele em sua observação, ou tudo não passou de ficção? Se pensarmos que vereadores, que são eleitos para defender os interesses da sociedade, optam por não mexer em situações que deveriam ser modificadas pois ferem a Constituição do país, é possível especular que os dizeres do escritor lusitano têm um quantum de veracidade. E o que dizer dos votos de minerva que nunca serão alterados por questões que dizem respeito à LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal). Aqui temos uma taxa de iluminação que é cobrada e ninguém diz mais nada. No entanto os minervinos de outrora continuam nas gestões pelo voto, como “manda” a mesma constituição que não é seguida quando diz respeito a fazer os devidos reparos e ajustamentos.

 

Música

O cantor e compositor José Bezerra da Silva (1927-2005) tem uma canção cujo refrão diz que o Brasil só mudará o dia que Saci Pererê cruzar as pernas e o Drácula doar sangue. Ou seja, nunca. Mas por que tamanho pessimismo com relação ao futuro desta Nação? Porque se deixarmos, meus caros leitores, as paragens mariachiquenses e alcançarmos o Estado e a Federação, entenderemos que o povo está padecendo com a pandemia e os governantes brincado de reis, enquanto a próxima eleição não chega e os cemitérios vão se enchendo e as criptas dando o ar da graça pelas paragens brasileiras. Durmam com um barulho desses neste domingo dedicado aos pais, meus caros leitores. gilcriticapontual@gmail.com, d.gilberto20@yahoo.com,   www.criticapontual.com.br.

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