Olhar Crítico

Complexidade

Começo meus aforismas dominicais, solicitando dos meus leitores, permissão para abordar uma temática complexa, contudo, creio que seja importante abordá-la aqui tamanha a desinformação que paira sobre a sociedade brasileira e os indivíduos que desconhecem o trabalho dum cientista social, e em virtude disso, acabam propalando inverdades a partir duma fonte que tem como escopo transformar inverossimilhanças em supostas verdades universais. É lamentável que indivíduos, com um mínimo de esclarecimento, para não dizer conhecimento – este requer a capacidade de fazer uma conexão de sentido, compreendo o que está sendo propalado – espalhem coisas e observações a partir do ouvir dizer.

 

Sociologia

Desta forma, começo perguntando: quem tem medo da Sociologia? Ou melhor, por que o atual governo federal teme as Ciências Sociais e os profissionais que se ocupam delas? Antes de começar a responder essa interpelação, creio que se faz necessária a compreensão do que vem a ser as Ciências Sociais e as Ciências Humanas. Como o próprio nome já define, as Sociais dizem respeito à convivência do homem em sociedade, portanto, esse profissional se ocupa em entender como os sujeitos se congregam em grupos e ideias, desta forma, é possível compreender o ataque do governo federal aos brasileiros que se trabalham para entender o “atraso” brasileiro, suas causas e suas consequências para as gerações futuras.

 

Interpelação

A questão primeva a ser respondida pelos cientistas sociais é a seguinte: como um político que ficou por quase três décadas nos submundos da política nacional conseguiu chegar à presidência da República Brasileira? É preciso recordar que o ex-presidente Fernando Collor de Mello percorreu o mesmo caminho em 1989 – portanto, a história se repete! Eu, na condição de cientista social, de forma muito rasa, porém, com possibilidades de aprofundar os argumentos, diria que o ressentimento, de boa parte dos brasileiros, levou esse sujeito ao cargo máximo da Nação. Mas qual é a fonte desse ressentimento? De um modo geral, é possível compreender os hábitos e comportamentos duma classe média, e suas adjacências, que se constrói a partir de determinados status criando um estamento muito particular. Esse grupo é muito atuante no Brasil. Machado de Assis já os apresentou à sociedade brasileira através de suas crônicas, contos, romances e outras enunciações poéticas.

 

Patronato

Outro que trabalhou a questão dos estamos, do patronato e os mandonismos locais foi o jurista Raymundo Faoro (1925-2003) em sua obra “Os donos do poder”. Há que se acrescentar outro clássico das ciências sociais brasileiras para que o cidadão entenda bem o país que herdou de seus ancestrais e deixará para os seus descendentes. Victor Nunes Leal (191401985) escreveu uma obra singularíssima sobre a estrutura social brasileira ser pautada no coronelismo, figura emblemática que reinou durante muito tempo no interior do Brasil e que agora é reconfigurada com outras adjetivações pós-modernas. Por exemplo, os capangas pretéritos hoje são os soldados virtuais que espalham inverdades pelas redes sociais com mil tipos de ameaças e aviltamentos. O Judas da vez são as universidades federais.

 

Raízes do Brasil

Outra obra que dá conta de se analisar o país de hoje a partir do seu passado, não muito pretérito é Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982). Ali, usando metodologia weberiana, ou seja, construções tipológicas, o historiador diz que no ethos formador deste país – entendemos ethos como sendo a etimologia criadora, uma espécie de ética que norteia as relações sociais numa determinada paróquia – está não está no sujeito dado a planejamento racional de suas condutas, mas no aventureiro que não avalia meticulosamente as consequências de seus atos. Atrela-se a esse fenômeno, o fato de que no Brasil Colônia não existiu a ideia de povoamento e sim de exploração, pautada no trabalho escravo. Isso quer dizer que o trabalho, como elemento norteador da construção duma sociedade, não tem o mesmo significado que para nações como os Estados Unidos da América.

 

E daí?

Para não me estender muito nessa temática, talvez o meu leitor deve estar-se perguntando: o que se faz com isso tudo? Eu diria que uma Nação que desconhece seu passado, dificilmente conseguirá construir o seu futuro. Caso não saiba muita coisa sobre o ontem, terá que transformar o amanhã a partir dum hoje sem muitos referenciais. Talvez aí seja possível haver compreensão sobre o motivo que esteja levando esse pessoal, que se encontra no governo federal, tentar desarticular todas as conquistas que o país tem, adjetivando-a de fruto dum marxismo cultural, no afã de ludibriar aqueles que desconhecem o tema, tomando a parte como um todo e o escolhido para ser o Judas, do Sábado de Aleluia foi o professorado. Este leva bordada de alunos, dos pais dos estudantes, do Estado recebe baixos salários e ainda é acusado de “doutrinador” por sujeitos sociais que nem sabe direito do que está falando.

 

Áreas

Mas voltando ao campo das Ciências Sociais e suas subáreas, é preciso ter claro que as mesmas são formadas por três áreas troncos: a Sociologia – ciência que estuda o comportamento do homem em sociedade a partir de suas diversas manifestações: políticas, religiosas, econômicas, culturais, literárias, artísticas, entre outras. A segunda área é a Ciência Política: neste campo é importante entender que, segundo Aristóteles, o homem é um animal político por natureza e isso ocorre desde o momento em que ele consegue dominar tecnicamente o som existente na natureza e coordenar uma linguagem repleta de significados e significantes. Portanto, quando uma pessoa diz que não gosta de política, já faz política porque está se posicionando. Neste sentido, quando o presidente, que aí está, afirmou que seria o representante da nova política, porém, num Congresso recheado da velha guarda política por determinação do sujeito social, que faz suas escolhas a cada quatro anos, é impossível querer criar o novo sem a mediação da velha política. Por fim, temos a Antropologia. Como o nome já diz anthropo vendo do latim que significa homem, portanto, essa área estuda o ser humano em sua totalidade. Em síntese, novamente peço desculpas aos meus leitores, mas na condição de cientista social e atuando com as chamadas Humanidades, não conseguiria ficar quieto diante das atrocidades praticadas contra esses profissionais. Sei que sou voz isolada, porém, estou indignado com tamanha truculência. E-mail: gildassociais@bol.com.br; gilcriticapontual@gmail.com. www.criticapontual.com.br.

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