O Brasil e a falência de suas instituições

Gilberto Barbosa dos Santos

 

A grita é geral: ninguém mais presta no Brasil, principalmente os ocupantes das instituições brasileiras, como Legislativo, Executivo e Judiciário e escolhidos pelo povo! Mas será que o cidadão sabe bem como funciona a máquina pública no país? Será que conhece o artigo 3.º da Constituição Federal? Para começo de conversa, embora eu não seja douto em leis, apresento-te meu caro leitor o tal dispositivo constitucional: “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil. I – Construir uma sociedade livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional; III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV – promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. É esse o texto constitucional aprovado em 1988, integrante da Constituição designada por Ulisses Guimarães (1916-1992) como sendo a Constituição Cidadã. Diante do exposto, por que é tão difícil cumprir esses dispositivos num país de dimensões continentais?

Claro que a resposta será muito simples e direta: por culpa da classe política! Entretanto, será que a categoria dos homens engravatados, que representam o povo, tem tanta culpa assim? Será que essa interpelação resiste a uma análise criteriosa, portanto, desapaixonada? Não posso afirmar com convicção, entretanto, a questão não se tornará tão nevrálgica se cada um fizer sua parte, ou seja, agir de tal forma que sua prática seja universalizada, conforme apontou Immanuel Kant (1724-1804) lá de sua Alemanha Setecentista a partir de seus imperativos categóricos. Se isso é fato, cada um daqueles que depositaram seus votos-consciência num determinado político, se torna corresponsável pelas arbitrariedades que o eleito faz ao proferir seu parecer num projeto que objetiva colocar em funcionamento um dos dispositivos constitucionais indicados no artigo 3.º de nossa Carta Magna.

Desta forma, como é possível construir uma sociedade livre, se o cidadão desconhece as regras básicas de convivência com seus semelhantes? Se o político que o representa está envolvido em miríades de falcatruas objetivando beneficiar-se, bem como seus amigos, familiares e apaniguados? O mais interessante ainda é quando um eleitor usa como justificativa as escaramuças orquestradas pelos anteriores para dizer que vai mudar tudo e que para isso, o seu governante deve ser o mais virulento possível contra seus adversários, levantando sempre a bandeira da nacionalidade escondendo um atroz nacional-populismo [voltarei a essa temática em momento alvissareiro]. Como se pode dizer que o Brasil é justo, se a justiça que impera nessas paragens tem sempre uma cor: a do dinheiro. Todos sabem que há várias brechas na legislação que são sempre enfatizadas e utilizadas por aqueles que possuem muitos cabedais – alguns conquistados com muito trabalho, outros advindos de jogatinas e escaramuças e aí é sempre bom observar se não tem um político levando a parte dele.

Em que ponto da construção nacional, houve solidariedade com o semelhante? Se o meu leitor lançar seu olhar para os tempos da senzala e da casa-grande enxergará dores, ódios, violências, estupros, falta de respeito com a humanidade do ser mantido em cativeiro de maneira forçada e sob os estalos da chibata. Se esse registro está nas memórias não muito longínquas deste país, como é possível dialogar sobre solidariedade numa sociedade que agride aquele que se encontra nos sopés das pirâmides sociais? Há nichos aqui e ali, contudo, muito aquém daquilo que o Brasil precisa em virtude das mazelas e da memória escravagista que assombra a Nação diariamente. A herança é rançosa e todos são cônscios disso, contudo poucos estão dispostos a se esforçarem para mudar o quadro dantesco, já que aguardam sempre que o Estado faça tudo. Claro que é preciso que vários elementos e situações em que as instituições públicas devam tomar a dianteira, justamente porque o cidadão é pagador de impostos, tributos e um caminhão de taxas, contudo, o próprio sujeito social deve compreender que o dinheiro público não nasce em árvores e sim do setor produtivo, do trabalho do cidadão, das pesquisas que os cientistas, depois de muitos estudos, desenvolvem.

E é justamente nesse ponto em que se encontra o desenvolvimento nacional, através da educação, contudo, uma pedagogia emancipadora e não alienante se faz necessária. Mas a grita é geral: muitos querem tudo ao mesmo tempo, todavia, vários se esquecem de que sem estancar as mazelas provocadas por mais de 300 anos de escravidão, o querer de hoje para o amanhã não se faz sem apagar as pegadas pretéritas deixadas no habitus – Pierre Bourdieu (1930-2002) – iniciado pelos antepassados que, apesar de desaparecidos, se assemelham mais a cadáveres insepultos que, de tempos em tempos, assombram os mortos, semelhantes as alegorias criadas por Erico Veríssimo (1905-1975) em seu romance Incidente em Antares. Desenvolvimento se faz com homens e ideias: os primeiros o Brasil tem aos borbotões, já que a população passa dos 200 milhões; agora, as ideias, principalmente aquelas que dizem respeito à governabilidade, continuam atreladas ao século Oitocentista, inclusive com pitadas teocráticas. Precisa-se de progresso, mas a este se chega com investimento pesado no setor vital: educação. Se o meu leitor buscar em fontes históricas e seguras, encontrará informações segundo as quais uma Nação que não investe no setor e em pesquisa de ponta, continuará atrelada ao seu passado mais remoto.

Outro tópico que o Brasil precisa resolver é no que diz respeito à eliminação da pobreza em seus mais de oito milhões de quilômetros quadrados. Como é possível estancar esse câncer que ceifa a vida de milhões de cidadãos cotidianamente, encaminhando outros tantos para a vala da miséria? Aqui não vejo saída senão o desenvolvimento de políticas públicas objetivando diminuir o fosso entre os mais ricos e aqueles que estão nos escombros da civilidade. Lógico que se faz necessário uma política que não vincule o contemplado com o voto e a idolatria tosca, como a que se assisti nos últimos anos. Contudo, deve-se fazer algumas observações salutares: qual governo investiu mais em políticas sociais de inclusão dos mais pobres? Do ponto de vista da racionalidade e da história, observa-se um processo que tem início com a promulgação da Constituição Federal, seguida das primeiras eleições livres em 1989 e finalmente o surgimento da democracia, mas como diz Ann Druyan no prefácio do livro Cosmos, de Carl Sagan (1934-1996) “a democracia requer que exista público informado de tomadores de decisão” e esse é o caso brasileiro? Por outro, meu leitor entenderá que aconteceram centenas de erros, corrupções que colocam em xeque a democracia e a qualidade dos governantes, mas daí jogar toda as conquistas sociais na lata do lixo, satanizando quem as implantou, me parece um equívoco terrível, a exemplo de quando o ex-presidente Fernando Collor de Mello foi apeado do cargo por determinação do Congresso; ou quando se demonizaram as privatizações, principalmente do setor de telecomunicações. Bom! O espaço acabou e faltou analisar, sinteticamente, outros pontos do artigo 3.º da Constituição Federal. Sendo assim ficará para o próximo encontro com meus leitores, uma discussão sobre a questão envolvendo a marginalização, redução da violência e melhoria da qualidade de vida dos brasileiros e um processo de reurbanização das megacidades e municípios adjacentes.

 

Gilberto Barbosa dos Santos, Sociólogo político, editor do site www.criticapontual.com.br, autor do livro O sentido da República em Esaú e Jacó, de Machado de Assis; professor no ensino médio em Penápolis; pesquisador do Grupo de Pensamento Conservador – UNESP – Araraquara e membro do Conselho Editorial e Científico da revista LEVS (Laboratório de Estudos da Violência e Segurança) – UNESP – Marília; escreve às quintas-feiras neste espaço: e-mail: gildassociais@bol.com.br; gilcriticapontual@gmail.com. www.criticapontual.com.br.

 

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