Machado de Assis e os enunciados sentenciosos

No último dia 28 de setembro, o Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp de Araraquara (FCLAr/UNESP) recebeu a visita da professora Sandra Ap. Teixeira de Faria da Universidade Complutense de Madrid. Ela ministrou uma conferência sobre enunciados sentenciosos em Machado de Assis. O evento contou com a presença de professores e alunos do programa, bem como de alunos da Graduação em Letras da FCLAR/Unesp.

Leia abaixo da minuta da fala da professora:

 

Machado de Assis e os enunciados sentenciosos

No último dia 28 de setembro, tivemos o prazer de ministrar a conferência Apresentação formal das parêmias clássicas ou populares nos contos de Machado de Assis na etapa do Realismo, dentro das atividades do Programa de Pós-graduação em Estudos Literários da Faculdade de Ciências e Letras da UNESP – Câmpus de Araraquara, coordenado pelos professores Dr. Brunno Vinicius Gonçalves Vieira e Dra. Juliana Santini. Sendo conscientes das limitações de tempo e espaço, nas linhas que seguem, procuraremos ressaltar alguns pontos relevantes do estudo desenvolvido e ainda com respeito à Paremiologia.

O trabalho apresentado trata-se de um excerto da tese doutoral Las paremias en el discurso de Machado de Assis, defendida em 2015, cujo estudo abrange os sete livros de contos publicados em vida do autor e desenvolve-se através da análise quantitativa e semântica dos enunciados breves e sentenciosos, também denominados de «parêmias» (Sevilla Muñoz, 1991, 2013), que conformam o campo da Paremiologia. Embora nossa pesquisa englobe também as temáticas e as funções discursivas dessas unidades fraseológicas, nesta ocasião, concentramo-nos na apresentação, por um lado, da tipologia das parêmias clássicas ou populares verificadas, sendo elas provérbios e frases proverbiais, e, por outro, da forma como estão inseridas nos contos referentes à fase do Realismo machadiano.

Numa exposição prévia, comentamos sobre a Fraseologia e suas categorias – Fraseologia e Paremiologia -, passando às características das unidades fraseológicas (UFs) que as compõem. Posteriormente, tratamos da tipologia das parêmias, da confusão terminológica que as envolve e explicamos as diferenças entre algumas delas, além de darmos a conhecer as fontes e referências consultadas para a verificação tipológica. Como processo final, realizamos o confrontamento dessas formas e a distribuição em diferentes classes, segundo a configuração contraída no discurso.

Baseamo-nos nas propostas de Sevilla e Crida (2013), fundamentadas em aspectos «genéticos (de origen), pragmáticos, morfológicos y semánticos», para a classificação tipológica das parêmias. Em relação às formas adquiridas por essas unidades fraseológicas nos contos de Machado de Assis, nossa pesquisa tem por referência os trabalhos de Bizzarri (2004), Rodríguez Valle (2008 e 2009) e Sardelli (2011), que estabelecem as seguintes denominações: parêmia clássica, modificada, interrompida, aludida e acumulada.

No cômputo geral, as frases proverbiais modificadas assumem a liderança, sendo que o provérbio é apresentado maioritariamente na sua forma clássica ou popular. A nosso ver, a utilização das parêmias por parte de Machado, do mesmo modo que a diversidade das formas como estão apresentadas, mantém relação com o propósito de destacar em alguns casos a ironia, em outros caracterizar as personagens e até pôde ter tido um fim didático. Como exemplo, podemos destacar as formas como o autor apresenta o provérbio O homem põe e Deus dispõe, de Tomás de Kempis, nos contos «A desejada das gentes» e «Mariana», do livro Várias históriasO homem põe e a espécie dispõe O viajante põe e Paris dispõe, respectivamente. Nota-se claramente que a modificação do provérbio teve como objetivo realçar a ironia.

Embora não tenha sido a temática desta nossa conferência, é importante pontualizar que algumas funções das parêmias podem alcançar diferentes planos discursivos. No estudo que desenvolvemos sobre as funções discursivas das parêmias nos contos machadianos, e seguindo a Zuluaga (1997), pudemos verificar algumas das funções semântico-estilísticas e de composição ou estruturação da narrativa que essas unidades fraseológicas desempenham. Inclusive, em certos casos, averiguaram-se várias funções simultâneas. Em «O alienista», por exemplo, aparece o provérbio Preso por ter cão, preso por não ter cão! que, além de funcionar como conclusão na composição textual, apresenta a função lúdico-poética pela repetição de preso/cão, que marca o ritmo; também serve como comentário e descrição de perplexidade (funções semântico-estilísticas), diante de uma situação atípica como a que o barbeiro Porfírio está vivendo. O emprego do ponto de exclamação reforça essa ideia e transmite a sensação de impotência de Porfírio.

Com relação às opções de pesquisa no campo da Paremiologia, essa disciplina abre possibilidades muito interessantes para as investigações científicas mais além da Linguística e Literatura, pois facilita a interrelação entre diferentes áreas do saber. Ademais, focando-nos no objeto de estudo da Paremiologia, ou seja, nos enunciados breves e sentenciosos, verificamos que, por um lado, muitos mantêm, apesar das transformações formais e variações sofridas, a contemporaneidade do pensamento que exprimem, e, por outro lado, encontramo-nos com a brevidade das estruturas, que facilitam a memorização. De modo que, reúnem elementos totalmente compatíveis com a comunicação dos nossos tempos. De fato, cada vez é mais comum observarmos a deconstrução de provérbios, aforismos, etc., para sua utilização em propaganda e publicidade.

Em vários países europeus e nos Estados Unidos, a área paremiológica está mais desenvolvida e conta com conceituados teóricos especialistas. Como é sabido, no Brasil os estudos paremiológicos realizados por pesquisadores brasileiros foram desenvolvidos, sobretudo nos seus inícios, por autodidatas preocupados em preservar a riqueza do folclore do país. Um caso interessante é o de Amadeu Amaral, autodidata que, além de poeta, chegou a desenvolver importantes trabalhos sobre folclore e dialetologia, como O dialeto caipira (1920), por exemplo. Atualmente, parece ser que um novo impulso começou a ser gerado desde a organização do IICongresso Internacional de Fraseologia e Paremiologia I Congresso Brasileiro de Fraseologia, realizado na Universidade de Brasília, em 2011, e que este ano alcançou sua quarta edição na UNESP de S. José do Rio Preto. Esse evento nasceu do I Congresso Internacional de Fraseologia e Paremiologia, em Santiago de Compostela, em 2006. Sem dúvida alguma, há muito trabalho pela frente e o Brasil apresenta possibilidades muito amplas nessa área.

Dra. Sandra Ap. Teixeira de Faria – Universidad Complutense de Madrid

Assessoria de Comunicação e Imprensa

 

Disponível no site http://www.unesp.br/portal#!/noticia/23983/machado-de-assis-e-os-enunciados-sentenciosos/ (acessado no dia 20/10/2016 às 02h45)

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