Liberdade

Gilberto Barbosa dos Santos

 

O que definitivamente é a liberdade? Acho que não precisa ser nenhum prestidigitador para tentar equacionar a pergunta com a qual começo a reflexão desta primeira quinta-feira de Março. Todavia, é interessante refletir um pouco sobre ela, não somente a partir da perspectiva de grandes filósofos, como o Iluminista alemão, Immanuel Kant (1724-1804) que figurou como subsídio para que os vestibulandos e candidatos da FUVEST realizassem suas redações. Na ocasião, o postulante a uma das vagas oferecidas pela USP (Universidade de São Paulo), tinha que escrever algo a partir das observações feitas pelo alemão sobre a maioridade crítica.

Mas antes de tentar enveredar por essa ideia de maioridade crítica proposta por Kant, é interessante dar uma passadinha sobre o que posso compreender, de forma sintética, pela liberdade e os ideais que a circundam. Ser livre, me parece ser a categoria fundamental do existir humano, todavia, a questão emblemática é: como ser livre e gozar de plena liberdade numa sociedade materialista que aprisiona o sujeito social a partir da ideia de que se é um consumidor livre para escolher e comprar a mercadoria que lhe aprouver? Entretanto, em tempos de tecnologia online e suas constantes revoluções, quando o homem usa as redes de computadores, ou páginas e sites de compra e venda, está deixando rastros de suas preferências, mesmo que uma transação comercial objetivando a aquisição de um livro não tenha sido finalizada. E essas pegadas são utilizadas por muitas empresas no mercado global de mercadorias para continuar influenciando o internauta a comprar isso e aquilo, mesmo que não precise deste artefato naquele momento.

Ainda assim, o indivíduo se considera livre, pois é dele a decisão de, inclusive conectar-se ou não aos dispositivos que os coloca em conexão com o mundo virtual. Desta forma, em sua consciência social e de ser civilizado pertencente ao universo global de penduricalhos, há a certeza de que se está livre do julgo mercadológico. Pode, em termos de aparência – para pensar como Karl Marx (1818-1883) -, observar o procedimento como real, todavia, a essência indica outra coisa, já que as escolhas não são feitas quando se aperta o botão de confirmar a aquisição, conforme externei acima. Sendo assim, o ser humano deixa de ser consumidor para se transformar numa mercadoria que compra outra coisa que lhe é semelhante, isto é, mercadoria, de acordo com que o Marx apresenta no primeiro capítulo de O Capital: A mercadoria. Se isso é fato, e tendo a crer que sim, onde então está a liberdade? Sabe aquele carro que o cidadão tanto almeja, foi pensado para ele, antes mesmo que este pudesse opinar. Quando as imagens enchem seus televisores, o telespectador deixou de ser autor de suas demandas, já que elas foram criadas antes mesmo que ele pudesse decidir o que quer.

Se do ponto de vista capitalista e da existência social, o homem não é livre, na medida em que seus desejos, anseios se transformaram em bens de valores, será que este mesmo sujeito pode se considerar em plena liberdade quando escolhe seus representantes mediante eleições livres e diretas? Sempre recebi saraivadas de críticas por parte de integrantes duma determinada legenda quando afirmava ser o político uma mercadoria como outra qualquer, independentemente de qual agremiação partidária pertencesse, contudo, passou-se o tempo e, em matéria divulgada no último domingo por um jornal de circulação nacional, o que eu cansei de afirmar outrora, se confirma: os políticos encastelados no Congresso Nacional tem o preço do passe fixado, evidenciando que não são mais representantes do povo brasileiro, mas sim elementos de determinados conglomerados partidários e por isso, têm seus valores de troca e valores de uso, para parafrasear Karl Marx. Desta forma, pasmem os meus críticos de antanho, que usavam suas observações de forma enviesadas no afã de desqualificar as linhas que abordavam tais análises.

Sendo assim, fica claro que a decisão de escolha deixou de ser do eleitor e passou para a massa partidária que manipula, ludibria a sociedade ao construir uma autonomia eleitoral que o cidadão sem cidadania não é possuidor. O meu caro leitor deve estar-se perguntando: como se processa essa manobra? Através do Fundo Partidário, cujos valores não brotam em árvores e nem caem do céu, mas sim oriundos das multas pagas pelos eleitores que deixaram de votar por não acreditar que aparecerá um político possuidor de capital político e simbólico suficiente para fazer as mudanças necessárias. Não vota, não justifica e, de quebra paga multa e ainda contribui para que as legendas sejam dominadas pelos caciques partidários, já que a presença do brasileiro no universo da política é pífia. Contudo, ao participar da vida ativa da política nacional, o sujeito escolhe um presidente, governador, prefeito, entretanto, não segue a mesma linha quando vai opinar sobre os integrantes dos legislativos. O que teremos então? Um Legislativo empenhado em colocar o Executivo de joelhos, escolhendo os integrantes dos cargos comissionados, cujos indicados têm pouco manejo com a área, mas apetite de leão quando o assunto são verbas públicas.

Diante do exposto acima, fica evidente que a liberdade política pouco existe no Brasil e é pifiamente usual, necessitando, portanto, de uma escola de política e não de partido e ideologia disso e daquilo. Contudo, enquanto isso não acontece, se espera que a liberdade, enfim, pode grassar no campo da mídia. Hoje é possível se dizer que, em relação aos anos de chumbo, tem-se uma impressa livre, entretanto, poucos governantes dos mais de cinco mil municípios brasileiros sabem lidar com esse dispositivo constitucional. Talvez isso seja uma herança colonial que ganhou ares coronelísticos nas primeiras décadas republicanas. Aqueles que se debruçam sobre o Brasil Oitocentista, mais especificamente às últimas décadas da Monarquia, compreendem que a imprensa não era amordaçada pelos gabinetes ministeriais indicados por D. Pedro II – ora liberal, ora conservador. Mas por que será que os nossos políticos, principalmente aqueles que emergem em cidades pequenas, têm pavor de uma mídia independente e livre? Será que Narciso, ser da mitologia grega pode dar uma luz àqueles que se enveredam pelos caminhos tortuosos que os levarão a uma resposta plausível. Enfim, me parece que responder a perguntar formulada no começo dessa reflexão, não é tarefa tão fácil, principalmente agora em tempos bicudos e pré-eleitorais. De qualquer forma, é preciso buscar sempre um ponto de vista que se aproxime minimamente do que almeja o cidadão com cidadania. É isso ai!

 

Gilberto Barbosa dos Santos, Sociólogo político, editor do site www.criticapontual.com.br, autor do livro O sentido da República em Esaú e Jacó, de Machado de Assis; professor do ensino superior e médio em Penápolis; pesquisador do Grupo de Pensamento Conservador – UNESP – Araraquara e membro do Conselho Editorial e Científico da revista LEVS (Laboratório de Estudos da Violência e Segurança) – UNESP – Marília; escreve às quintas-feiras neste espaço: e-mail:gildassociais@bol.com.br; gilcriticapontual@gmail.com. www.criticapontual.com.br.

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