JUVENTUDE E LITERATURA

“Colocar o problema da arte em relação à juventude parece às vezes inútil para certas pessoas. Há gente que admira profundamente a arte infantil, que dá lápis de cor e papel às crianças, estimulando sua capacidade criadora e extasiando-se diante de suas produções. Certo. Porém o público só vai tomar contato com o artista muitos anos depois, quando ele já tiver alcançado algum lugar ao sol (se o conseguir…).

Isto traduz o abandono em que se encontra o artista em sua juventude, em nosso meio. De duas maneiras a sociedade o inibe: uma, pelo desvio de energia criadora, outra pelo abandono; aliás, as duas quase se confundem.

O que significa “desvio de energia? Consiste em arranjar para o jovem “uma ocupação na via, para que ele não perca tempo com essas bobagens”. Esta frase universal traduz-se em oito horas de trabalho para o jovem operário, e em oito horas de estudo para o jovem burguês. O aspecto artístico do indivíduo, que, quando revelado em sua infância, é, às vezes, objeto de orgulho para os pais, este mesmo aspecto artístico que constitui sua forma de afirmação perante o mundo na fase adulta, é relegado a um segundo plano na juventude. Argumentar-se-á: “Mas não existem tantos artistas jovens? Se o moço tem realmente valor, ele resistirá”.

Porém, o problema é não é resistir. Só dentro da arte é que o artista deverá encontrar barreiras que, uma vez superadas, fortalecem-no e aprimoram-no. As barreiras da sociedade – ter que achar uma profissão “útil” ou “rendosa”, vencer na vida, etc. – conduzem o indivíduo à insensibilidade e à indiferença, representam um verdadeiro choque para uma personalidade artística em embrião. Aliás, isto nada mais é do que a eterna contradição entre o velho e o novo, expressa sob outra forma.

Naturalmente, este processo é quase inconsciente. Pais que tem meios não se interessam em desenvolver as tendências dos filhos. Por quê? Não só pela falta de visão. É que eles sentem que a arte é uma arma de tremenda força, e que pode atrair sobre a pessoa do bem “pragas” sociais: desprezo, miséria, isolamento.

O rapaz pode escrever, se quiser – ou pintar, ou compor – mas isto tem de ser feito no silêncio de seu quarto, depois de estudadas as lições. Suas produções têm de ficar guardadas numa gaveta; quando muito, concorrer num certame estudantil – desde que tal participação não implique numa “perda de tempo”.

Este é o esquema geral para o jovem artista: quase não há meios para o seu desenvolvimento, e os que existem são escondidos – ele que vá procurar, se quiser.

Analisemos, por exemplo, a situação da literatura numa escola, e mais precisamente, no curso científico. Há “pílulas” literárias, sob a forma de trechos isolados, nas cadeiras de línguas. E só. É certo que o científico é um curso que abrange um vasto panorama cultural, e portanto não pode se preocupar só com aspectos artísticos. Depois, um futuro artista não traz nenhuma marca especial. Tem de ser descoberto. E aí está o problema – numa tal situação, ele tem mínimas probabilidades de ser descoberto e auxiliado. O que pode fazer, por exemplo, a professora de português que descobre um talento entre seus alunos?

Nos cursos superiores, há as mesmas dificuldades e deficiências.

Como resultado geral de tudo isto, temos que a esmagadora maioria dos escritores não saiu de escola alguma, formou-se por si. E um número muito maior não chega nem a formar-se. Admite-se um escritor autodidata, mas não um médico ou um engenheiro.

Mas os jovens reagem a isto. Por um instinto gregário inato, reúnem-se em grêmios. Nestes, existe um departamento cultural que patrocina, uma vez por ano, um curso literário. Quem já tomou contato com um destes sabe quais são suas características: falta de trabalhos, desorganização e depois, um esquecimento em relação aos premiados.

O periodismo escolar luta igualmente com dificuldades, principalmente a falta de meios materiais. O jornal escolar é irregular, e às vezes, só elementos de imensa força de vontade podem levá-lo para a frente.

Depois de tudo isto, não é de se estranhar que a tendência do jovem escritor, uma vez que ele se afirma como tal, seja isolar-se, com seus companheiros, numa torre de marfim desligada da realidade social. Daí a extravagância encontradiça em suas obras, produto da imaturidade prolongada pelo fato do jovem temer o contato com um mundo hostil.

De que forma pode o jovem artista ser amparado? Por princípio, todo o homem deve ter uma forma de expressão. É preciso, pois, garanti-la ao jovem, na época em que é multifacético, e por consequência, indeciso. Ajudá-lo a descobrir em que campo (e isto é válido não só para a arte, como para a ciência e para qualquer profissão), ele encontrará os meios para ser um indivíduo produtivo.

Voltemos ao exemplo da literatura. Uma vez reconhecida a vocação do jovem escritor, ele defronta-se com o problema da técnica, assim como o pintor que tem de conhecer princípios de composição, ou um pianista. Geralmente, o jovem só tem os mestres do passado. E eis a solução: ler, ler e ler. Mas com que critério?

Edgar Allan Poe escreveu um comentário sobre “O Corvo”, que é uma verdadeira dissecção literária: ele mostra-nos a razão de ser de cada pequeno detalhe. Eis o que deveria ser feito sempre. Mas, sobretudo, é preciso método e organização no trabalho. O jovem escrito espera pela inspiração, esquecendo-se, como diz Bernard Shaw, “que o gênio é 10% de inspiração e 90% de transpiração”. Quando ocorre a tão esperada ideia, ainda há o perigo de ela ser perdida, ou mal desenvolvida. Para evitar isto, é que seria preciso uma pessoa que vigie os passos do jovem para que ele não se desvie de seu objetivo. Tal não significa tirar o caráter pessoal da obra literária; não se atua sobre a inspiração artística em si, mas sim, se a canaliza.

O jovem escritor deve se humanizar. Aprender a conhecer e amar as pessoas. No processo criador, deve haver reciprocidade entre o artista e o público. Este fornece àquele o substrato para sua obra, que, por sua vez, deve ser divulgada e criticada ao máximo.

Na história da arte, múltiplos exemplos confirmam a veracidade desta afirmação. É Flaubert aconselhando a Maupassant a observar sempre; Zola caminhando entre o povo, tomando nota de suas frases; Pudovkin, que modificou inteiramente um filme sobre os mineiros do Donetz, quando estes acharam que a película não refletia sobre a realidade. Em vez de “arte pela arte”, “arte pelo homem”.

Há de vir um futuro melhor para a arte, num mundo em que o artista ocupe a posição que ele realmente merece. Mundo este que o próprio artista ajudará a construir.”

 

Moacyr Scliar

Disponível no site http://delfosdigital.pucrs.br/dspace/handle/delfos/2?fbclid=IwAR0Rv4HeVdvpVxw7hZSfhat-Jp1-FNxdW6tgbAcI5k9ivPxlbl1ZU7zWVPg ( acessado no dia 1709/2020 às 13h41)

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