Influenciado, influenciador

Gilberto Barbosa dos Santos

 

Terminados os festejos pascais, o momento é para uma profunda reflexão, não no âmbito dos símbolos, sejam eles judaicos ou cristãos deste período, mas sobre a vida em si tendo como consequência a objetividade de transformá-la para si, justamente a partir do ponto de vista do ser que se pensa a si mesmo levando sempre em conta, não o que a sociedade faz dele, mas sim o que este faz daquilo que a sociedade faz dele, conforme já havia apontado o filósofo francês Jean-Paul Sartre (105-1980). Se é preciso compreender-se a si mesmo, tendo como pressuposto essa observação de um dos mais importantes intelectuais do século XX, quais seriam os caminhos que todos os que desejam enveredar por tais vielas existenciais deveriam percorrer?

Ainda não sei exatamente qual é o trajeto, porém, nas linhas abaixo pretendo buscar, através da reflexão, alguns elementos e ferramentas que me possibilitem, não somente me pensar, mas também entender como este ser que surgirá dessa análise se interagirá com o mundo que o cerca. A primeira coisa a fazer, caso fosse conversar com Anúbis – na mitologia egípcia é o deus do morto, portanto, individual, – era averiguar se cada ação, estando ainda em vida, teve como pressuposto a forçada coletividade. Tudo bem, se por outro lado, eu for assentar minhas observações levando em conta o que indicam os três principais pensadores da Sociologia: Karl Marx (1818-1883); Émile Durkheim (1858-1917); Max Weber (1864-1920), encontraria três caminhos distintos, já que para o primeiro e o segundo a sociedade influencia o indivíduo e o terceiro acredita que o sujeito é o único responsável pela formação da sociedade que irá influenciar os sujeitos vindouros a partir dum ethos de conduta pessoal. Nesta perspectiva, o sujeito influencia o meio. E você meu caro leitor, o que acha? Será que a sociedade se sobrepuja ao indivíduo ao ponto de torná-lo um nada diante da imensidão de fenômenos sociais? Ou o homem tem a capacidade de romper com aqueles quadros deterministas, segundo os quais, não há escapatório de sua sina de miserabilidade, como ocorria na Índia estruturada em castas?

Eu, cá do meu lado, creio que seja possível, numa análise criteriosa escudada nos três intelectuais, entender as questões emblemáticas para o homem dentro dessa modernidade que se dissolve em questões de segundo, a ponto do que era certo há meia hora, deixa de sê-lo no instante seguinte, justamente porque com o advento da Revolução 4.0, o chão da fábrica e algumas profissões vão desaparecendo paulatinamente na medida em que há necessidade de reduzir custos, melhorar produtos e ampliar o lucro dos acionistas. Desta forma, como Karl Marx e seu materialismo dialético pode ser útil para entender a sociedade contemporânea? Através de sua análise do funcionamento da sociedade capitalista e da seguinte observação: o homem faz a sua história, mas não como deseja, e sim pelas condições determinadas pelo meio em que vive, e estas, são alteradas através daquilo que Hegel chamava de Zeitgeist [espírito do tempo]. Esse “espírito” modifica o volksgeist [espírito do povo], isto é, a forma como a população de determinada região do orbe reage as transformações em seu em torno. Quando faz essas abordagens, Marx está pensando sobretudo na população inglesa durante a Revolução Industrial e suas consequências. Sendo assim, é possível dizer que os acontecimentos que levaram as mudanças por conta das rupturas provocadas por aquele processo revolucionário no campo produtivo, determinaram as condições em que as pessoas se organizaram em sociedade a partir de 1760.

Outro que usou também os processos revolucionários no campo da produção e da industrialização foi Emile Durkheim. Mas este ao contrário de Marx, analisa não o universo da economia, mas sim da ruptura entre as sociedades tradicionais e aqueles que advieram por conta das alterações no mundo fabril. Para entender o período pré-revolução industrial, cria o conceito de Solidariedade Mecânica cujo referencial é o fato social, externo e coercitivo que pode ser vislumbrado através da Família e da Igreja e outras instituições sociais. Por que coercitivo? Porque não é dado ao indivíduo escolher livremente participar ou não deles, tratando-se duma imposição do meio. Tendo essa observação como pressuposto, é possível analisar, por exemplo, os diversos tipos de arranjos familiares que a humanidade tem registrado ao longo de sua história terrena – mas aí é tarefa para outra reflexão, por isso, me parece ser salutar permanecer no aspecto influenciável da sociedade, segundo a perspectiva de Emile Durkheim. Sendo assim, se por um lado, ele designa as sociedades pré-industriais o conceito de Solidariedade Mecânica por seu caráter ossificado, isto é, de pouca ou quase nenhuma mobilidade, contudo, as alterações provocadas pelo advento da Revolução Industrial obrigaram as famílias a deixarem o campo em busca de trabalho nas áreas urbanas, transformando localidades como Manchester em cidades com problemas sociais enormes e desfazendo-se laços tradicionais, como as famílias. Essa ruptura é definida pelo pensador francês como anomia e a consequência deste processo é definida como Solidariedade Orgânica, pois os sujeitos se congregam a partir das organizações industriais surgidas na esteira da revolução industrial. Nesta chave metodológica, a sociedade influencia o indivíduo ao ponto de mudar-lhe, não as configurações anatômicas, mas sim culturais através do “espírito do tempo”.

No campo weberiano, a situação se inverte justamente porque o enfoque metodológico dele é dado nos tipos ideais. Ferramenta analítica que possibilita ao cientista social pensar uma determinada realidade e seus fenômenos sociais provocados por um fato importante que mudou a concepção do mundo, e a maneira como os sujeitos se posicionam e se veem. Para o pensador alemão, a Reforma Protestante (1517), provocada pelas Teses contra as Indulgências publicadas pelo monge dominicano Martinho Lutero (1463-1546) numa das catedrais de um dos reinos espalhados pelo interior da Prússia, foi um marco divisório na sociedade capitalista na medida que introduziu um sentido na ação dos indivíduos através de diversas conexões, entre elas, com o mundo religioso e o universo concreto da existência dos homens. Segundo Max Weber, na concepção protestante, o trabalho ganha outro sentido, na medida em que ele é o mediador entre o indivíduo e o universo do sagrado. Nesta chave, o ócio passa a ser algo pecaminoso, devendo ser combatido com o trabalho como maneira de indicar a Deus que se é consciente de sua origem divina e, somente através do labor, é que o sujeito encontrou o mecanismo de agradecimento por ser uma criatura sagrada. Esse comportamento, na interpretação weberiana, levou o homem a desenvolver uma ética de conduta capaz de indicar-lhe que, ao morrer, herdará o reino dos céus. Essa visão de mundo weberiana pode ser encontrada nos escritos do filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804) – que nasceu e passou a vida toda em Königsberg na antiga Prússia, onde está hoje a Polônia. Kant dizia em seu livro Fundamentação para a metafísica dos costumes, que o sujeito deve ter uma prática tal qual possa ser universalizada. Desta forma, a conduta dos primeiros protestantes pode explicar uma visão sagrada do trabalho.

Em síntese, os três pensadores podem fornecer importantes ferramentas de análises sociais, possibilitando ao pesquisador compreender a realidade que o cerca com grande percentual de acerto. Claro que não é possível indicar que se está 100% certo, porque a realidade é mutante, mesmo com os indivíduos agindo de forma padronizada, contudo, pode possibilitar o entendimento a partir de pressupostos históricos e comportamentos universalizantes, como nos diz Kant.

 

Gilberto Barbosa dos Santos, Sociólogo político, editor do site www.criticapontual.com.br, autor do livro O sentido da República em Esaú e Jacó, de Machado de Assis; professor do ensino superior e médio em Penápolis; pesquisador do Grupo de Pensamento Conservador – UNESP – Araraquara e membro do Conselho Editorial e Científico da revista LEVS (Laboratório de Estudos da Violência e Segurança) – UNESP – Marília; escreve às quintas-feiras neste espaço: e-mail:gildassociais@bol.com.br; gilcriticapontual@gmail.com. www.criticapontual.com.br.

 

 

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