Escrever ou não escrever, eis a questão

Gilberto Barbosa dos Santos

 

Diante do sinal amarelo que sempre apresenta-nos seus múltiplos significados, seguidos duma forte significação em tempos de política, mais especificamente das renhidas pendengas eleitorais, seja aqui ou alhures, fica-me sempre a interpelação: escrever ou não escrever? É neste sentido que uso – fazendo referência à peça A tragédia de Hamlet, príncipe da Dinamarca, do dramaturgo inglês William Shakespeare – a frase que ficou famosa “To be, or not to be, that is the question” [ser ou não ser]. Ela é bem apropriada para o momento que o brasileiro vive em suas três instâncias que marcam o seu existir na sociedade nacional que ainda tem grandes resquícios dos seus mais de trezentos anos de escravismo – estrutura que deixou máculas profundas no modo de ser e pensar do cidadão brasileiro quase que com cidadania.

Parece-me que, ficar apenas nessa frase, pode não dar a devida proporção do que objetivo aqui com a escrita objetivada em seu sentido estrito, hermético, ou de fácil assimilação, ou nem tanto assim, mas ai vai muito do estado de espírito [verfassung] do meu leitor na manhã em que este tem em mãos as linhas que vou compondo durante o processo de se viver na polis profundamente marcada por desencontros político-partidários nos quais as mercadorias que se colocam no comércio eleitoral não conseguem assimilar uma boa crítica, deslocando as abordagens feitas aqui por esse escriba – será que posso me intitular dessa forma? – para o âmbito pessoal, como se o meu escopo fosse o de denegrir a sacrossanta imagem de quem quer que seja. Não! Caro leitor! Não tem essa objetividade, mas apenas fazer com que os cidadãos, que são chamados a cada quatro anos para decidir o futuro de sua sociedade, não se esqueçam de fatos significativos do orbe, sejam eles no âmbito da positividade ou da negatividade, mesmo porque no balanço político e, como é próprio das mercadorias que querem ver-se confirmadas no dia do pleito, exagera-se nas conquistas e, para ficar no campo da simplicidade, esconde-se as consequências de opções erradas, cujos custos serão amortizados anualmente pelos pagadores de impostos, tributos e outras taxas, sendo pífio o retorno dessas contribuições.

Mas voltando a Shakespeare e a sua famosa peça – vá lá meu caro leitor conferir os tecidos literários e as teias teatrais compostas por esse singular dramaturgo inglês – achei significativas as seguintes observações: “será mais nobre/Em nosso espírito sofrer pedras e flechas/Com que a Fortuna, enfurecida, nos alveja,/ Ou insurgir-nos contra um mar de provocações/E em luta pôr-lhes fim? Morrer. dormir: não mais.” Entendo que o trecho suscita diversas interpretações metafóricas, alegóricas, entretanto para o meu escopo nas linhas tecidas semanalmente, evidencia-se o meu estado de espírito [verfassung] associado à minha condição profissional, ou seja, de cientista social que se ocupa em analisar o Brasil do presente como consequência de um país profundamente marcado pelo escravismo enquanto sustentação de uma estrutura econômica alinhada com uma política palaciana escudada no bipartidarismo (Conservadores e Liberais) que se alternava no poder por graça do Imperador D. Pedro II e o seu Poder Moderador. Ora, a minha tripla condição de sujeito social com cidadania, cientista social e cronista, me possibilita tecer alguns comentários sobre a situação nacional em suas três instâncias: federal, estadual e municipal.

“Dormir…/Talvez sonhar: eis onde surge o obstáculo:/Pois quando livres do tumulto da existência,/No repouso da morte o sonho que tenhamos/Devem fazer-nos hesitar: eis a suspeita/Que impõe tão longa vida aos nossos infortúnios./Quem sofreria os relhos e a irrisão do mundo,/O agravo do opressor, a afronta do orgulhoso, […]”, eis o que nos legou o dramaturgo inglês. De acordo com essa assertiva, pode o indivíduo deixar tudo para o amanhã na expectativa de que as melhorias virão do céu ou das mãos de um rei-eleito ávido por reproduzir no século XXI as articulações palacianas do Brasil Oitocentista, recheada de atrozes práticas como a cerimônia do “beija-mão” numa espécie de simbiose entre poder feudal e as arraias miúdas que gravitam em torno dos castelos espalhados pela Europa durante toda a Idade Média, de acordo com os apontamentos do escritor brasileiro Machado de Assis ávido leitor de Shakespeare, conforme está explicito no clássico Dom Casmurro – leia-o caro leitor ou será devorado pelo enigma: Capitu traiu ou não o seu esposo Bentinho [seria significativo compreender quem foi o Iago da trama machadiana].

Mas, se na trama de Machado de Assis, ou na de Shakespeare que aparece de forma intertextual no escrito machadiano, o cidadão-leitor poderá encontrar uma simbiose entre os dois maquiavélicos personagens, na vida real, se não se deixar levar pelo canto da sereia homérica entoado do alto de carros de sons que bramem proféticas promessas e outras aleivosias objetivadas apenas na tentativa de ludibriar o eleitorado mais desavisado, para não dizer, o incauto eleitor que espera febrilmente aferir mil benefícios atirados do alto do trono, mesmo sabendo que as consequências podem ser nefastas para as gerações futuras. Desta forma, caso o sufrágio sacramente o erro de outrora, caberá à sociedade como um todo absorver o impacto de tal duplo equívoco, pois conforme Karl Marx nos diz “a história se repete, uma vez como farsa e outra como tragédia”!

Por fim, a abordagem que encerra o parágrafo anterior, diz muito sobre a história recente do Brasil, seja em qual instância for, indicando que o brasileiro exerce plenamente aquilo que Guilherme O’Donnell designa como democracia delegativa [http://novosestudos.uol.com.br/v1/files/uploads/contents/65/20080624_democracia_delegativa.pdf], isto é, o indivíduo, ao escolher, está delegando poder a outrem sem saber de fato o que significa delegar e seus equívocos. Sendo assim, me parece que mais apropriado seria uma democracia participativa, contudo, os fatos indicam que “muita água precisa passar em baixo da ponte”, como se diz no jargão popular, para que o eleitor compreenda que o seu representante é a sua imagem e semelhança e não uma criatura, para não dizer mercadoria, que se fez sozinha, mas sim idêntica às criaturas de Prometeu. Desta forma, na condição de produto político, o eleito é forjado numa seara em que a cidadania plena é pífia ou quase inexistente. Portanto, responder a pergunta escrever ou não escrever não deve ser uma tarefa árdua, entretanto, pode ser problemática na medida em que seu conteúdo seja interpretado como um acinte, ultraje, quando na verdade se escuda apenas no objetivo de auxiliar o indivíduo a ter uma visão mais apurada do mundo da política, para que nos dias que se sucederem ao pleito, não se escute as lamurias disso e daquilo, pois, depois de eleito, resta apenas esperar que o Legislativo venha cumprir a sua função que é a de fiscalizar os atos do Executivo e não ser apenas um órgão de chancela do possuidor do principal assento no comando da Nação.

 

Gilberto Barbosa dos Santos, sociólogo, professor no ensino superior e médio em Penápolis. Pesquisador do Grupo Pensamento Conservador – UNESP e membro do Conselho Editorial e Científico da revista LEVS-UNESP. Escreve às quintas-feiras neste espaço: www.criticapontual.com.br. E-mail: gilbertobarsantos@bol.com.br, gilcriticapontual@gmail.com, e social@criticapontual.com.br.

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