Eleito o eleitor

Gilberto de Assis Barbosa dos Santos

 

Apesar de o título parecer meio redundante, truncado ou coisa parecida, nos dizeres dos meus leitores, penso que sejam necessários os devidos esclarecimentos para que a leitura das linhas que se seguem não possua equívocos. Explico-me já de início para que tudo flua como a água do rio que, nos dizeres dum pensador pré-socrático, nunca será a mesma no instante seguinte, a exemplo do que acontece com o ser que se deseja se tornar um humano de fato e de direito. No que diz respeito à primeira, não é possível dialogar com ela, entretanto, no âmbito do segundo, tudo é possível, inclusive uma significativa reflexão, desde que uma das partes esteja disposta a isso e a outra não queira transformar tudo num monólogo como se fosse o detentor duma suposta verdade absoluta.

Posto isso, passemos, eu e tu meu caro interlocutor, ao que é narrável e também aquilo que seja plausível e possível de ficar nas entrelinhas por intermédio da chamada metonímia ou uma singela metáfora. Mas deixemos as figuras de linguagem para outra ocasião, pois agora penso que a querela da vez diz respeito ao universo eleitoral, não o deste ano, nem do ano passado ou os pretéritos e nem os vindouros, mas sobretudo naquele em que o cidadão se dirige as seções eleitorais com vontade de mudar o mundo com o seu “sim” ou “não”. Qualquer uma das opções pode significar tudo ou nada, a depender do nível de consciência política do votante e é esse que me interessa no presente desta narração, cujo escopo é dizer alguma coisa, mas sem a pretensão de escrever sobretudo sobre tudo e mais um pouco. O objetivo é fazer com que, aquele que me lê, entenda não o mundo a sua volta, mas o que habita o seu interior e o ajuda a definir quem deseja para ser seu representante nas instâncias do poder e nas três instituições que compõem o Estado brasileiro: Executivo, Legislativo e por fim o Judiciário que é um misto de meritocracia e política, tendo em vista os indicados para a Corte Suprema cujo processo é o mesmo desde a primeira Constituição Monárquica de 1823.

Será que vale a pena, meu caro leitor, enveredar por essa seara quando se sabe que, em tempos de constantes revoluções tecnológicas, o cidadão com pequena visão de sua própria cidadania acredita mais nas verborragias propaladas em grupos de “amigos” formados nas mais diversas redes sociais espalhadas pelo país afora e alhures? Daí o título da crônica ou coisa parecida de hoje tratar não de eleições, mas de como o eleitor é escolhido, isto é, quem elege o indivíduo que fará sua opção no mercado global de mercadorias e das promessas disso e daquilo. “- No meu governo fiz isso e aquilo, portanto, espero que você me garanta mais quatro anos para fazer mais”, afirma o político ardiloso em busca dos aplausos de uma massa incauta, desprovida do mínimo conhecimento político, no bom e velho estilo coronelístico tão bem difundido e exposto por escritores como Jorge Amado (1912-2001). Entretanto, deixemos os narradores desse ilustre enunciador baiano para outro momento e concentremos, eu e tu, meu caro amigo leitor, nessas tratativas em que o demagogo escolhe quem vai votar nele.

“- E como isso acontece”, me perguntou certo dia uma pessoa que teimava em conversar comigo na fila da lotérica, enquanto eu tentava ficar com a cara metida dentro dum romance brasileiro, cujo enredo me chamava tanto atenção. Minha mãe sempre me dizia para não faltar com a educação quando for interpelado. Sendo assim, lá fui eu, fechando a página em que estava, afiadíssimo com o narrador, para responder a interpelação que meu interlocutor formulou naquela tarde quente de segunda-feira, dia em que tirei para me livrar dos famigerados códigos de barras.

“- A escolha’, comecei a responder, “não tem início quando o processo eleitoral começa, mas sim nos desvios de verbas, no sucateamento da educação, baixos salários para os professores e os profissionais da educação, passando aí pela segurança pública que anda caótica e fonte de promessas mil, sem que, no entanto, sejam concretizadas”.

“- Na minha igreja, quem define nossos candidatos é o meu líder, homem sábio que sempre tem uma palavra de conforto quando um membro da congregação necessita”, disse o meu parceiro de diálogo.

Pensei em dizer algo, mas resolvi me silenciar. Observei que não tinha muito o que expor e, caso fosse falar algo, teria que iniciar pela Idade Média e o tempo de fila, por mais demorado que fosse, seria curto. Melhor voltar às páginas machadianas, talvez encontrasse respostas para outras tantas interpelações que vivia fazendo em meu cotidiano, como por exemplo, por quê, através de um de seus enunciadores, afirmou, lá do longínquo século dezenove, que era mais fácil mudar as leis do que os hábitos da humanidade.

De olho no tal enredo, justamente naquela parte em que Jacobina, travestido de alferes, fica diante do espelho, enquanto todo o passado daquela fazenda escravagista vinha à tona, o meu interpelante da fila me perguntou o motivo do meu silêncio. “- O moço não gostou da minha resposta”. Fechando novamente o livro e colocando as mãos para trás, apenas disse que cada cidadão tem sua visão da realidade a partir do ponto em que suas lentes, seus óculos sociais permitem enxergar”.

“- Não entendi. Será que pode ser mais claro. Assim a conversa pode fluir com mais serenidade para ambos”, verbalizou o meu parceiro de fila. Quando pensava algo a lhe dizer, escutamos a atendente dizer “próximo” e lá se foi o meu interpelante e eu pude voltar para à minha leitura, entretanto, aquele diálogo me fez ficar mais reflexivo, pois compreendi que o quanto o país está longe de usar a razão e a racionalidade para fazer suas escolas e aí me veio uma reportagem que li certa vez em que o entrevistado disse que gostaria de ter dinheiro para adquirir um carro de última geração, mas optar pelo famoso carro popular, tipo Gordini, DKW ou um simples fusqueta.

Chegou a minha vez de me livrar dos códigos de barra e voltar para casa. No trajeto, olhei para o céu e pude observar que haviam nuvens carregadas, me obrigando a apertar o passo, do contrário, chegaria encharcado ao meu destino. Engatei a marcha de estrada, acelerando o veículo corporal e, assim que abri a porta do imóvel, a água desceu do céu, límpida e risonha. Escolhi outro livro na minha estante, pois havia terminado o conto Teoria do Medalhão. Porém, antes de emendar outra leitura, desta vez um romance, folheei o jornal que socorri das chuvas e não encontrei nada de interessante, exceto aquelas discórdias entre mercadorias políticas que pareciam ser duas faces da mesma moeda, cujo nome é ausência. Resta saber falta do quê? Creio que é de tudo fruto das desigualdades que permeiam nossas relações desde os tempos coloniais, fazendo com que o nosso capitalismo tenha um grande pé dentro da ordem estamental.

Abandonei esses pensamentos, cônscio de que se dissesse alguma coisa, seria o mesmo que pregar no deserto, sem haver plateia, por não ter nada para oferecer em troca, exceto um quantum significativo de conhecimento a quem se pretender escutar a voz que surge de uma consciência atormentada pelas mazelas sociais em que um político propõe o extermínio de seus adversários. Ainda bem que ele foi derrotado pela democracia. Sendo assim, meu caro leitor, passemos, eu e tu, para outro ponto de nossa crônica, pois se não houver quem leia as linhas que são confeccionadas, o texto perde o seu sentido. Você acha isso, leitor amigo? Eu não! A escrita é sempre a escrita e elaborada por quem quer dizer alguma coisa a alguém. Eu aqui desejei apenas e tão somente tentar entender em que condições o eleitor é escolhido pelo político que será sufragado nas urnas de logo mais, já que a cada quatro anos, eu e tu, somos convocados a indicar quem queremos ver sentados nos principais assentos governamentais deste país que ainda respira os ares escravagistas.

 

Gilberto de Assis Barbosa dos Santos, licenciado, bacharel e mestre em Ciências Sociais, editor do site www.criticapontual.com.br, autor do livro O sentido da República em Esaú e Jacó, de Machado de Assis. E-mail:   gilcriticapontual@gmail.com, d.gilberto20@yahoo.com. www.criticapontual.com.br.

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