Democracia, política e justiça social

Gilberto Barbosa dos Santos

 

Outro dia estava aprofundando meus conhecimentos filosóficos sobre o sistema de pensamento hegeliano constituído pelo intelectual alemão Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831) e me deparei com umas questões interessantes que podem servir para se analisar a dicotômica querela esquerda versus direita no Brasil e, quem sabe, ajudá-los, meus caros leitores, a entenderem um pouco essa peleja no campo da política nacional e os supostos motivos que afastam os jovens das disputas renhidas entre feudos partidários  e seus respectivos arautos “coronéis” autocratas. Posto isto, adentro ao que, acredito ser de interesse daqueles que semanalmente percorrem as linhas que confecciono e exponho aqui nesta página e também em meu site: www.criticapontual.com.br. De acordo com meus sintéticos olhares, as discussões em torno do sistema hegeliano estiveram na crista da onda lá no início do Oitocentos, marcadas sobretudo pelo antagonismo entre os estudiosos do programa de Hegel que se posicionaram em margens distintas naqueles debates: de um lado, os defensores da chamada ala “direita hegeliana” e de outro, a “esquerda hegeliana”. A primeira defendia a preservação da sistemática criada pelo filósofo alemão de vertente idealista. O segundo campo, permanecendo no âmbito do método dialético hegeliano tecia críticas aos defensores do campo oposto, crendo ser este seria uma subespécie do romantismo alemão. Posto isto, me parece que essa pequena explanação sobre esse fragmento do pensamento hegeliano, permite focar na problematização aqui para o Brasil: o que definiria um sujeito social como de “direita” e um indivíduo político se colocar na peleja ideológica como de “esquerda”?

Rapidamente o meu leitor, se ele ainda estiver lendo essas linhas, poderia responder: o primeiro deseja a manutenção das coisas da vida na polis como estão e o segundo objetiva uma outra edificação nacional com mais Justiça Social. Sendo assim, o que significa permanecer na atual conjuntura nacional? A estrutura dum estado patrimonialista, de vertente patriarcal e estamental, ou que, atendendo as demandas da sociedade, presença mais atuante nos campos sociais no sentido de permitir que os mais desafortunados, para não dizer, herdeiros do universo senzaleiro, ascendam socialmente? Preste atenção que a minha abordagem é no campo da direita, ou seja, daqueles que almejam que as coisas permaneçam como estão, ou seja, com uma enorme desigualdade social e gritante passivo escravagista. E qual é o presente do Brasil se não uma herança dos tempos do trabalho não-pago? Para responder essa última interpelação, se faz necessário levar em conta que o país, em sua fase colonial, foi todo escudado na exploração compulsória do braço africano, permanecendo por todo o período monárquico, até aquele sábado, dia 13 de maio de 1888, data da promulgação a Lei Aurea. Acrescente-se a esse fato a informação, segundo a qual, o fim do escravismo, conhecido como Questão Servil contribui enormemente para a queda do Império 18 meses depois, também num sábado, 15 de novembro de 1889. Recorde-se meu caro leitor, que ao fim do cativeiro, por intermédio da concessão dos direitos civis, os pretos alforriados não tiveram acesso às outras duas ferramentas que permitissem a eles a emancipação total, ou seja, os direitos políticos e sociais. Pelo primeiro, os ex-escravos poderiam escolher seus representantes, bem como serem votados, enquanto o segundo lhes garantiria acesso à educação, participação na distribuição de renda gerada pela produção, isto é, receber pelo trabalho que realizassem, bem como aposentadoria digna. Todos sabem que com o fim do escravismo, a indenização aos ex-cativos foi a rua, ficando-os ao “deus dará”. Ser de direita, seria almejar a manutenção dessa situação?

Não se pode deixar de enfatizar que, todos livres, deveriam ser pagadores de tributos e impostos, ou seja, contribuir para a manutenção do Estado, entretanto, este não lhes garantia acesso à educação e aos mecanismos de participação na vida ativa da polis em sua esfera política. Como assim, meus caros leitores? Essa era a condição lá no final do Oitocentos e início do século XX, contudo, a situação mudaria com o passar dos anos a partir das lutas empreendidas por aqueles que estavam alijados dos benefícios, oriundos dos recursos aferidos dos trabalhadores, empresários e agricultores. Uma passada, rapidamente na História deste país, que muitos autocratas e seus amorfos asseclas dizem não ter o menor sentido estudar no presente desta Nação, indicará pontos e fatos sob os quais alicerço o meu raciocínio na reflexão de hoje. Lembrem-se meus caros, ser direita significa não garantir, quiçá a Constituição Federal de 1988, escola pública de qualidade a todos os cidadãos, já que são pagadores de impostos: esse preceito indica que a oferta deve ocorrer desde os primeiros anos de educação até o ensino superior. Observem, vocês que permaneceram comigo até esse ponto de minha enunciação, um tanto quanto crítica, que tem muitos que se dizem de direita, sem saber de fato o que estão desejando, almejando para si e para o seu colegiado. No entanto, como o país, mesmo que alguns não queiram, é uma democracia, cada um pode defender as ideias e as ideologias que preferirem, mesmo que elas se tornem um monstrengo, semelhante ao personagem do romance Dr. Frankenstein, de Mary Shelley (1797-1851). E já que estou abordando-a, isto é, a democracia, creio que seja interessante entender que, pela Constituição Federal, todos são iguais, todavia, por que, apesar de haver no Brasil um código de leis, denominada por Ulisses Guimarães (1916-1992) “Constituição Cidadão”, existe aqui uma desigualdade social monstruosa, sem contar no assassinato sistemático de pretos e pretos (os dados dizem tudo e mais um pouco)? Ser de direita é querer a manutenção deste quadro dantesco? Acho que é de bom alvitre que todos reflitam sobre essas minhas interpelações.

Agora se, ao contrário de se autodesignar como de direita, o cidadão optar por ser de esquerda, deverá saber corretamente o que significa usar esse adjetivo em sua existência e brigar por seus ideais. Se adotar essa postura significar ser “revolucionário”, lembro-vos aqui a observação do pensador russo, Mikhail Aleksandrovitch Bakunin (1814-1876), segundo a qual, todo aquele que fala em revolução, mas não transforma sua vida numa ação revolucionária, tem na boca um cadáver. Pois bem! Se for levar esse olhar do anarquista russo, entender-se-á por que há mais jovens de esquerda do que de direita, levando em conta os balizamentos que fiz no início dessa quase reflexão. Ou seja, o ser de esquerda, almeja a ruptura e o de direita a sua manutenção. Desta forma, o adolescente se interessaria pela política no sentido de usá-la para atingir um fim específico: ver suas demandas atendidas por uma sociedade repressora, patriarcal e patrimonialista. Resta saber quais seriam elas? Parece-me que hoje estão mais no campo da subjetivação de cada ser e, aí se observa o crescimento das candidaturas e mandatos coletivos, principalmente no campo do Legislativo, espaço em que pode fazer ingerência no sentido de alterar dispositivos que constam ou, até mesmo, que sejam inexistentes na legislação brasileira. Claro que esse posicionamento da sociedade, vou chamá-la de jovem, provoca calafrios nos que se dizem conservadores, entretanto, estão mais para reacionários do que realmente pela defesa de uma linha conservadora de pensamento. Creio que aqui, bem como no caso da definição de ser de direita, pode haver uma confusão, não somente de entendimento, como de atitude. Posto isto, como é possível desejar que os jovens de hoje participem mais do universo da política, se as ferramentas que estão à disposição deles, como os partidos políticos continuam sendo feudos com proprietários que se recusam a passar o comando? Analisemos meus caros leitores, pois não se pode pensar o mundo da política como se encara o universo da moda: passageiro. A sociedade brasileira se globalizou, queira ou não, os seus cidadãos, portanto, as demandas são outras. Então que todos trabalhem para que o fardo escravagista seja eliminado e todos usufruam do que a lei maior prevê.

 

Gilberto Barbosa dos Santos, Sociólogo político, editor do site www.criticapontual.com.br, autor do livro O sentido da República em Esaú e Jacó, de Machado de Assis; professor no ensino médio em Penápolis; pesquisador do Grupo de Pensamento Conservador – UNESP – Araraquara e membro do Conselho Editorial e Científico da revista LEVS (Laboratório de Estudos da Violência e Segurança) – UNESP – Marília; escreve às quintas-feiras neste espaço: e-mail:   gilcriticapontual@gmail.com. www.criticapontual.com.br.

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