Democracia em movimento

Gilberto Barbosa dos Santos

 

Amanhã o dia é dedicado aos mortos e muitos imaginavam que a democracia brasileira seria sepultada na segunda-feira após o encerramento de um dos pleitos mais extremistas da era republicana, e olha que tivemos o período do coronelismo que ainda impera em alguns rincões deste Brasil. Entretanto, não foi isso o que aconteceu. O que se pode aferir desse período é que o eleitorado brasileiro começa a dar sinais de estar cansado da velha política. Todavia, as mudanças que os indivíduos, com consciência política e cidadania plena, almejam ainda não chegaram de forma plena. Talvez isso possa estar ocorrendo por conta da ausência de conhecimento político para a maioria dos sujeitos sociais que escolhe seus representantes a cada quatro anos, porém, é preciso observar os resultados das urnas com muita acuidade.

O primeiro passo nesse sentido consiste em entender porque o pleito foi tão violento, principalmente do ponto de vista das adjetivações, sejam elas estampadas nas páginas sociais da internet, ou em forma de violência abstrata perpetrada pelos asseclas de ambos os lados do tabuleiro de xadrez. Posto isto, a pergunta que não quer se calar é: será que se o país tivesse educação política e tradição democrática, a situação seria semelhante ao que se assistiu nos últimos meses? Há aqueles que acreditam que não! A justificativa estaria escudada no fato de que aquele que tem conhecimento do universo da política jamais se engalfinharia com seu amigo por divergência nesse campo e se ela existe deve ser entendida como fundamental para a consolidação da democracia. Neste sentido, é provável que as eleições não chegassem ao campo do extremismo, todavia, isso ocorreu e por razões nem sempre muito claras aos meus leitores. Desta forma, o recrudescimento aconteceu, principalmente pela falta de maturidade eleitoral e política de boa parte dos cidadãos.

Neste ponto convém lembrar uma importante observação feita pelo pensador do idealismo alemão, Immanuel Kant (1724-1804), segundo a qual o homem somente se emanciparia a partir do momento que atingisse a maioridade crítica. Se o filósofo estivesse em terras brasileiras, creio que diria que o país é formado por pessoas que se mantêm na adolescência política, portanto, sem condições de opinar sobre os rumos que o país deverá tomar a partir de 2019. Entretanto, como o Kant alemão não está contido numa espécie de crítico da razão prática eleitoral e nem o brasileiro, em sua maioria – é preciso frisar bem isso – tem condições de entender um quantum significativo do universo da política, os resultados da última eleição é o que se tem e não aquele almejado por entes racionais acostumados a lidar com questões políticas e suas divergências no campo da racionalidade. Sendo assim, o que se assistiu foi muita paixonite aguda, conforme todos viram aos borbotões nos telejornais, revistas, jornais e mídias de um modo geral.

O campo da paixão é um terreno pantanoso que pode esconder muitos crocodilos com faces humanas, desta forma, tentar decifrá-los sem os devidos cuidados pode deixar sequelas gravíssimas, como as que se viu nos momentos finais das campanhas de ambos os lados da peleja política e do rio eleitoral. Mesmo tendo conhecimento do lamaçal escorregadio que é o campo das paixonites, é sempre importante se debruçar sobre seus antecedentes, isto é, o que levou os eleitores a se entrincheirassem nas duas bandas da pendenga entre Deus e o Diabo, isto é, entre nós e eles, conforme apregoado durante todo o período eleitoral. De um lado, havia aqueles indivíduos ávidos pelos tempos recentes de “vacas gordas”, como se diz no jargão popular, do populismo econômico fruto de um nível mais racional no campo da política monetária construída por uma equipe que priorizou o fortalecimento da moeda, os chamados monetaristas. Do outro, muitos dos quais surfaram nesse mesma onda da gastança e com o aperto do cinto, sentiram muito o arrocho e viram na corrupção, que é endêmica, escancarada pela Operação Lava Jato, o bode expiatório dos seus males – a história recente da humanidade está repleta de exemplos dessa envergadura. Um dos sociólogos que se encarregaram de pensar esses momentos foi o pensador húngaro Karl Mannheim (1893-1947) que deixou uma significativa quantidade de trabalhos que os interessados em compreender os momentos totalitários que o mundo passou, sobretudo, nas primeiras décadas do século XX, podem consultar com muita acuidade.

Mas qual seria de fato o caminho para tirar o país da latrina? Seria um braço de ferro, feito o Marechal Floriano Peixoto (1839-1895), mais conhecido como Marechal de Ferro? Ou um político que conhecesse bem os trâmites congressuais, bem como a própria Constituição Federal? Ou o eleitorado sonhava com um salvador da pátria, bem típico dos períodos sebastianistas em que grande parte da sociedade se vê desesperançada com uma mudança em curto prazo, solucionando problemas que foram construindo ao longo das duas últimas décadas do presente século? De qualquer forma, independentemente do que possa ser a resposta de cada um dos meus leitores, a única que ficou evidente foi a falta de maturidade política e usando Kant, de maioridade crítica para analisar o processo como um todo e não somente as partes que o compunha. Os resultados são do conhecimento de todos, entretanto, como caminhará a Nação a partir de 1.º de janeiro de 2019, com o Congresso Nacional ainda em recesso, portanto, sem os novos legisladores escolhidos pelo povo brasileiro?

Mas ainda faltam as consequências das escolhas. Por enquanto o que se observa são apenas festejos aqui e ali, provocações acolá, sem maiores implicações justamente por conta dos asseclas do derrotado saberem muito bem o que significa a democracia. Neste sentido, a pergunta que fica é – ai sem chance de ser respondida, porque ficará no campo da mera especulação: se as urnas definissem o oponente do atual vitorioso como vencedor, será que os seus apaniguados estariam serenos como os perdedores estão? Não vou nem tentar assinalar alguma coisa, porque seria mera adivinhação, portanto, segue-se o rito democrático com os derrotados se organizando no campo oposicionista, sem revanchismo. Haverá 48 meses de trabalho de ambos os lados da peleja de outrora e duas coisas não podem faltar aos disputantes: a democracia e o respeito aos ritos constitucionais. Fora da democracia não existe diálogo, portanto, o país não poderá ser governado com um olho no gatilho e o outro no cadarço do coturno. Com truculência, violência simbólica e outras ameaças, não será possível construir uma Nação e tirar o Brasil do atoleiro em que ele se encontra. Enfim, que ganhadores e perdedores, principalmente aqueles que se encontram do lado de cá do Palácio do Planalto, isto é, nas ruas, saibam recorrer à democracia para colocar o país nos trilhos novamente. A minha preocupação é saber se os defensores do vencedor conseguirão absorver as críticas que receberão ao longo dos 48 meses vindouros. Neste sentido, a leitura do livro História de pobres amantes, de Vasco Pratolini (1913-1991) seria interessante.

 

Gilberto Barbosa dos Santos, Sociólogo político, editor do site www.criticapontual.com.br, autor do livro O sentido da República em Esaú e Jacó, de Machado de Assis; professor do ensino superior e médio em Penápolis; pesquisador do Grupo de Pensamento Conservador – UNESP – Araraquara e membro do Conselho Editorial e Científico da revista LEVS (Laboratório de Estudos da Violência e Segurança) – UNESP – Marília; escreve às quintas-feiras neste espaço: e-mail: gildassociais@bol.com.br; gilcriticapontual@gmail.com. www.criticapontual.com.br.

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