Cidadania encarcerada

Gilberto Barbosa dos Santos

O que dizer do Governo Federal brasileiro? E do grupo encastelado no principal assento do poder Executivo nacional? Uma dúzia de anos foi suficiente para jogar na lata do lixo toda a recuperação feita por meio de políticas macroeconômicas e a implantação de uma visão mais ortodoxa quando o tema é gasto público. Isso nenhum defensor do arauto do petismo nacional pode negar, mesmo que opte por bajular o neopopulismo perpetrado por um sujeito político portador de atrozes desejos de se perpetuar no poder, como se fosse dono da vontade popular e arauto da verdade absoluta. Sendo assim, qual a xepa econômica me sobra para contentar os meus leitores nesta manhã de quinta-feira?

Como se pode observar, a reflexão já tem três interpelações, portanto, não vamos perder as contas, já que o meu escopo é responder todas as questões formuladas, mesmo que o espaço acabe, posso continuar as explicações outro dia, em outro momento. Porém, para não perder o foco, vamos ao que interessa: compreender os novos fatos políticos que assolam diariamente Brasília e, de quebra, o bolso do brasileiro, já aquebrantado pelo populismo econômico desenfreado e cantando em prosa e verso por um líder farisaico, mas essa é outra história já enfatizada aqui em vários momentos de minhas análises. De qualquer forma, o dado é significativo e vale como compreensão para o cidadão comum, desajeitado com as diferenças entre micro e macroeconomia e seus fundamentos. Portanto, posso resumir a opera da seguinte maneira: o Brasil sempre foi acossado, desde o Encilhamento, por processos inflacionários e os fatores para isso são muitos, assim como as consequências, por exemplo, a ausência de um planejamento econômico por parte das famílias, tendo em vista que parte de suas receitas era corroída pelos aumentos corrosivos de preços, pois o setor produtivo não dava conta de atender as demandas crescentes e ainda não o faz.

Monarquia e República não conseguiram debelar o problema, fornecer à sociedade sustentabilidade econômico, possibilitando assim, crescimento em todos os segmentos. Soma-se a isso o fato de existir uma máquina burocrática financiada com recursos públicos que abrigava uma casta da aristocracia patrimonialista e viciada na plutocracia escudada no atroz desejo de enriquecimento nas custas dos contribuintes. Claro que não podemos dizer que esse processo é específico do Brasil, pois a história registra situações semelhantes, como na França Monárquica e pré-revolucionária em 1789, quando recaia sobre a burguesia a manutenção de privilégios concedidos à nobreza e ao clero pelo rei que objetivava não ter o seu poder contestado. Todos sabem como essa querela foi solucionada durante várias décadas depois, passando pelo Terror e Robespierre.

Mas, voltando ao Brasil republicano, nova pergunta nos fica engasgada: a queda da Monarquia proporcionou mudanças significativas no país? Conforme demonstrei em recente trabalho científico, mudou apenas a nomenclatura, como fez crer o escritor Machado de Assis em seu penúltimo romance Esaú e Jacó. Se a ficção machadiana nos aponta excelentes referenciais para se pensar a problemática, passados mais de um século da queda do Império, o mundo concreto evidencia que a mesma casta de burocratas patrimonialistas permanece fazendo negócios escusos no subsolo do poder central, cujas consequências recaem sobre a sociedade como um todo. Se por um lado, houve uma clara tentativa de se racionalizar a máquina pública, por outro, para acomodar amigos e cabos eleitorais que, durante muito tempo, carregou bandeiras e mastros disso e daquilo, inchou-se o Estado, criando cargos para isso e para aquilo, ampliando o balcão de negócios entre o poder público e o privado, sendo que ambas as esferas se enriqueciam enquanto a Nação e seu povo empobreciam – para não dizer se endividava objetivando concretizar o sonho megalomaníaco de pular de categoria social sem muito esforço e planejamento, mas apenas acreditando no arauto de um tipo específico de se fazer política. Deu no que deu e as investigações demonstram isso, não deixando pedra sobre pedra, pegando todos que um dia ousou usar o poder, que lhe foi aferido pelas urnas, para ajustar a vida dos amigos do rei.

Está claro para nós que o nosso país não passou por transformações profundas após findar o reinado de D. Pedro II, principalmente no âmbito da política, pois até um ministro monárquico se tornou mais tarde presidente da República – Rodrigues Alves que o diga. Se no plano econômico, a modernização pode ter dado as caras por aqui, no mundo ideológico, conforme o crítico literário Roberto Schwarz apresenta em seu estudo clássico As ideias fora do lugar, mantivemos a estrutura escravagista com ares de assalariamento, pois o empregado continua recebendo um quantum irrisório pelo serviço que presta – José de Alencar em seu romance O tronco do ipê descreve situações semelhantes quando compara os escravos brasileiros com os proletários britânicos Oitocentistas. Mas, de qualquer forma, fica-nos a seguinte observação: em virtude de sua herança escravagista, o brasileiro não costuma valorizar o trabalho alheio, acreditando que qualquer um pode desempenhar aquela função, portanto, restando a quem se aperfeiçoa se agarrar à burocracia pública como forma de reconhecimento e mérito pelo seu esforço, mas e quem não quer percorrer esse caminho?

Porém, mesmo nessas condições, os servidores são sempre assediados para deixarem de observar certos preceitos da máquina pública. Lógico que não se pode generalizar, pois existem funcionários estatais que desempenham com esmero suas funções, entretanto, existem aqueles que sempre buscam uma brechinha para enriquecimento rápido, mesmo que para isso tenha que praticar atos ilícitos, cujas consequências recairão sobre a sociedade como um todo. Há uma miríade de exemplo nos mais de cinco mil municípios brasileiros, portanto, não é necessário localizar e nomear, pois as merendas destinadas aos estudantes estão ai para dizer e esclarecer os meus leitores. Entretanto, nos parece ser significativo o registro de tais descalabros no Brasil, tornando a corrupção uma endemia de fácil diagnóstico, contudo, de difícil extinção, pois precisa contar com a anuência do cidadão, no entanto, este está preocupado com a alimentação de amanhã e, para não se ver acossado pelo vácuo estomacal, acaba aceitando muitas ações que no futuro lhes serão desfavoráveis.

Posto isto, nos interessa compreender como a simbiose entre público e privado, entra governo e sai governo, aqui e alhures, registra uma quantidade infindável de plutocratas que conquistam o direito de se apossar da principal cadeira dos Executivos, mesmo tendo legislações e agentes públicos que, em junção com os aparelhos repressivos de Estado, tentam debelar esses seres que corrompem, deixam-se ser corrompidos e ainda tentam passar a ideia de que são inocentes e, para fugir das malhas da Justiça, contam com anuência de seus apaniguados que deram sequencias às suas práticas espúrias, a exemplo de seus antecessores. Dito de outra forma: para a sociedade fica a sensação que o prêmio para se dançar o baile da corrupção, é um cargo na estrutura ministerial e as leis devem ser aplicadas apenas contra os pobres. Haja falta de escrúpulos para dizer que se é inocente, quando todas as provas apontam para a autoria dos delitos e como se tornou adepto da plutocracia com dinheiro público.

 

Gilberto Barbosa dos Santos, sociólogo, professor no ensino superior e médio em Penápolis. Pesquisador do Grupo Pensamento Conservador – UNESP e membro do Conselho Editorial e Científico da revista LEVS-UNESP. Escreve às quintas-feiras neste espaço: www.criticapontual.com.br. E-mail: gilbertobarsantos@bol.com.br, gilcriticapontual@gmail.com, e gilberto_jinterior@hotmail.com .

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