Cidadania em tempos eleitorais

Gilberto Barbosa dos Santos

 

Eis o Brasil novamente na corda bamba! Será que algum dia, desde a criação da República, o país esteve no rumo certo? Pelo que pude observar durante a campanha eleitoral para o primeiro turno do pleito para presidir a nação que acontece neste domingo, 07, me parece que ainda não será desta vez que o brasileiro acertará o pé, indicando o país em que deseja viver a partir de 1.º de janeiro do próximo ano. Essas minhas observações iniciais têm respaldo, pelo menos eu as compreendo assim, no fato de que ainda o indivíduo não aprendeu nada sobre política e leva tudo para o campo da passionalidade – terminologia de origem italiana que diz respeito ao universo da paixão, portanto, da irracionalidade. Sendo assim, um debate racional fica prejudicado, com cada um dos contendores se achando o dono da verdade e sua mercadoria política sendo a melhor para governar o país. Já assisti a esse filme várias vezes, tendo a primeira exibição ocorrida em 1989.

De qualquer forma, mesmo estando diante de um quadro dantesco, só me resta tentar compreender tais extremismos a partir da observação feita por Karl Marx (1818-1883) no século XIX. Segundo o pensador alemão, a história se repete: uma vez como farsa, e outra como tragédia. Pois bem, em 1989 o extremismo, o descalabro e a insensatez do eleitor levou à presidência da República um fanfarrão, caçador de marajás – há uma farta bibliografia sobre aquele período como, por exemplo, o livro de Mário Sérgio Conti: Notícias do Planalto. A farsa, todos conhecem através do impeachment de Collor de Mello e também que muitos dos protagonistas de sua queda, em meados da década de 90, apertaram-lhe as mãos durante os mandatos do petista Luiz Inácio Lula da Silva. Até ai nada de mais, diriam os entendidos em política e acordos palacianos, entretanto, é preciso compreender os motivos que levaram os inimigos de outrora a estarem sob o mesmo palanque, se afagando numa dança simbiótica, indicando pactos que, posteriormente, evidenciaram se tratar de escaramuças plutocráticas e negociatas para surrupiarem os cofres públicos, conforme a Operação Lava Jato denunciou.

Se a farsa aconteceu, a tragédia pode ser evitada, contudo, como se observou nas últimas semanas, a tendência é que ela se concretize, principalmente pela falta de conhecimento político-democrático do eleitorado que se digladia na peleja de logo mais. Este sim, por ausência de cidadania tem transformado essas eleições num tormento só. Não é possível dialogar com quem pensa diferente, já que todos têm bordões e palavras de ordem, bem próprias das democracias delegativas, conforme o cientista político Guilherme O’Donnell nos lembra. Mas como seria então uma discussão política de alto nível e gabaritada para tirar as dúvidas daqueles que ainda não se decidiram para um dos lados da partida eleitoral? Eis a significativa interpelação.

Quando alguém quer defender sua mercadoria política, mas não a apresenta de forma correta, ou seja, indicando seus projetos para as mais diversas áreas da sociedade brasileira, eu nem penso em continuar a conversa, pois o diálogo vai ser uma espécie de rua de mão única, para usar uma expressão do filósofo alemão frankfurtiano Walter Benjamin (1892-1940). Desta forma, outro dia estava conversando com um dos leitores de meus aforismas dominicais e artigos publicados aqui às quintas-feiras. O diálogo foi profícuo porque pudemos falar sobre quais propostas gostaríamos de ver colocadas em prática, por exemplo, para a educação e para universidade brasileira. No momento é comum as pessoas vociferarem que as instituições de ensino superior no Brasil, principalmente as públicas, estão elitizadas, não do ponto de vista do conhecimento que é gerado em seus mais diversos departamentos, mas no que diz respeito ao campo econômico. Nesta chave, somente a elite tem acesso a elas. Desta forma, a saída seria privatizá-las ou cobrar mensalidades daqueles que podem pagar e oferecer bolsas aos mais carentes, sempre levando em conta o mérito e o esforço pessoal.

Apontei a minha contrariedade em tais medidas, pois se repetirá aquilo que se fez quando do fim do trabalho escravo, ou seja, uma transformação pelo alto. Nesse caminho, é possível ver postulantes vociferarem que a educação brasileira está falida, todavia, não apontam caminhos e projetos concretos para resolver o problema. Isso significa que não se tem políticas públicas para o setor, a exemplo do que ocorre com a segurança. Na ausência de propostas eficazes para as duas áreas, sobram tacanhas verborragias e dantescos projetos farisaicos, sem que a população compreenda adequadamente o seu conteúdo. Até agora não se observou apresentação de alternativas ao caos que virou a escola pública e todo sistema educacional. Será que o caminho é o de municipalizar o ensino médio, ao invés de tentar impor goela abaixo um projeto de reformulação que não condiz com a realidade do alunato brasileiro? Por exemplo, lhe apresentar alternativas quando estiverem nos últimos anos do ciclo escolar, sem que os mesmos estejam preparados para realizar tal empreita, seria o caminho? O marketing governamental apresenta imagens que todo adolescente tem condições de fazer escolhas pelas áreas de exata, biológicas, humanas e suas adjacências. Entretanto, a realidade pedagógica é completamente outra.

Quem compra essas perfumarias pedagógicas? Os eleitores que desconhecem a realidade duma escola pública e da sala de aula, pois em sua maioria transformou os locais em depósitos onde deixam seus filhos enquanto fazem de tudo, inclusive trabalhar, mas quando voltam para casa à noite, não querem saber de seus rebentos. Preferem se alienar no pequeno mundinho tecnológico achando que os professores são responsáveis pela educação ética e moral de seus filhos. A escola não é do educador e da equipe pedagógica, mas sim das famílias que devem participar ativamente de sua existência, porém, não se assiste isso na prática. Então, na ausência de pais presentes na vida escolar dos filhos, os docentes precisam ser psicólogos, se transformarem em pais, dar aos alunos apoio emocional e ai, se sobrar um tempinho, dar conta do conteúdo programático. Essa é a parte prática do ofício, pois se eu me voltar para a questão salarial, deixarei os meus leitores envergonhados ao saberem quanto pagam para um professor e o que exigem dele no final de cada bimestre. Se quiser ter um salário minimamente descente no final do mês, o docente precisará ministrar aulas em mais de duas escolas e ainda conseguir colocação na rede particular de ensino. Resultado: fadiga no final de cada bimestre.

Vejam bem, meus caros leitores, como o debate político precisa ser bem matizado, portanto, não é possível dialogar a partir de palavras de ordem e chavões cunhados por marqueteiros mais interessados em amealhar recursos para suas contas bancárias, conforme as investigações sobre a corrupção brasileira revelaram. O debate político se se mantiver nessa esfera, fica empobrecido e chato, desagradando todo mundo interessado nas questões que o país deve resolver para ser diferente do que é hoje. Neste sentido, entendo que é preciso ousar e sair do feijão com arroz empobrecedor do discurso, esquerda versus direita ou entre “nós e eles”. Desta forma, ainda tenho a minha utopia: que as pessoas com cidadania ainda vão conseguir construir um debate positivo para o Brasil.

 

Gilberto Barbosa dos Santos, Sociólogo político, editor do site www.criticapontual.com.br, autor do livro O sentido da República em Esaú e Jacó, de Machado de Assis; professor do ensino superior e médio em Penápolis; pesquisador do Grupo de Pensamento Conservador – UNESP – Araraquara e membro do Conselho Editorial e Científico da revista LEVS (Laboratório de Estudos da Violência e Segurança) – UNESP – Marília; escreve às quintas-feiras neste espaço: e-mail: gildassociais@bol.com.br; gilcriticapontual@gmail.com. www.criticapontual.com.br.

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