Casar-se casando-se

Gilberto de Assis Barbosa dos Santos

 

          Quem já passou pelo menos um dia numa redação de jornal, revista sabe muito bem como a situação se processa cotidianamente, portanto, entenderá o que as linhas que seguem pretendem enunciar. Num primeiro momento, meu caro leitor, te digo que depois que a mais recente pandemia carimbou a existência global, muita coisa mudou. Em alguns casos, para melhor e em outros para pior. Outro dia li num periódico de circulação nacional que, por conta do vírus que ceifou a vida de milhares de pessoas, os casais resolveram diminuir a quantidade de filhos. Achei a temática interessante, mas não é ela quem ditará o ritmo desta narrativa. Entretanto, se um dia as pessoas que me leem desejar, quem sabe posso até escrever algo sobre, mas enquanto esse dia não chega, me enveredarei pelo que considero significativo nesse presente.

Tudo foi modificado nos últimos três anos e o universo material também. Sendo assim, o repórter deixou de ir à redação, como dizia um compositor em sua canção filosófica na qual havia a hipótese de a Terra parar e de fato ela parou para ser reiniciada aos poucos. Os terminais humanos começaram a emitir sinais de algumas coisas, e em muitos deles, aparecem trocados. Antes, eu me deslocava diariamente até o prédio em que o jornal funcionava, mas agora, nem sair de casa preciso para receber a pauta, bem como escrever as matérias que estamparão as páginas do dia seguinte. Claro que fico sempre atento a tudo e a todos e foi justamente num desses detalhes que produzi um texto sobre a invasão dos caramujos africanos, inclusive com imagens produzidas na noite anterior em que um exército dele escalava o muro de uma residência e logo pela manhã conversei com uma das autoridades sanitárias da cidade e com especialistas em zoonoses. Resultado, o primeiro dos quatro materiais que me cabiam relatar, estava pronto e a caminho do terminal do editor para a avaliação. Uma hora depois, já tinha recebido o sinal verde de que o assunto circularia na edição de amanhã, ou melhor, do dia seguinte.

Na sequência, recebi os outros três assuntos que desenvolvi com a mesma velocidade e ao final do dia, estava lendo um livro do filósofo dinamarquês Sören Kierkekaard sobre o matrimônio. Desejava entender algumas coisas, mas nem bem comei a leitura, meu chefe solicitou uma narrativa breve para encher um espaço vago no caderno de entretenimento. A mensagem foi direta: “Tenho1/4 de página para ser preenchido e sei que você adora escrever algumas coisinhas. Portanto, preciso de uma dessas suas historietas. Será que consegue me mandar dentro de uma hora?”. Poderia dizer que não, mas sabe como é, quem é dado a escrita sempre gosta dum desafio. Narrar algo a partir do nada, mesmo que seja o vácuo produzido pela luz do poste numa noite fria que, de tão gelada, que até o ar fica congelado. Topei o desafio e comecei a pensar sobre o que escreveria e me veio à mente a matéria dos casais que reduziram a quantidade de filhos que teriam por conta dos três anos de pandemia. Entretanto, não queria escrever mais do mesmo. Então resolvi trabalhar um conteúdo e este precisava dum título, sem o qual, nada sairia de interessante. E ele chegou na nomeada dessa crônica, cujo objetivo é apenas o entretenimento. Como iniciar uma enunciação dessa voltagem? Eis a interpelação, cuja resposta foi: provocação!

O casamento acabou! O que você, meu caro leitor, colocaria no lugar? Eis a pergunta para iniciar uma conversa franca com quem está do outro lado do texto, isto é, tu, que vai caminhar comigo nos próximos parágrafos. No final da minha enunciação, solicitei dos meus leitores que enviassem para o meu e-mail o que cada um achou da crônica, explicando, mesmo que em tese o que achou, levando em conta que há um processo em movimento designado como “divórcio grisalho”. Essa é uma outra história que pretendo contar depois, para o momento quero apenas compreender por que as pessoas se casam? Há um arrazoado de respostas, justamente porque ninguém é igual a ninguém, exceto perante a lei, mas ela não obriga ninguém a se casar com quem quer que seja. Se isso é fato, por que os indivíduos se comprometem a ficar com seus semelhantes até o fim da vida? Lógico que o meu texto não foi enviado da maneira como descrevo aqui, mas é que uso essa forma de te convidar para permanecer comigo até o final deste enredo, cujo escopo é mais o de provocar uma reflexão do que realmente lhe dar respostas, até porque eu não sou você, mas apenas busco uma saída para o meu eu que, a exemplo do seu, quer se encontrar nesse mundão louco que se modifica a cada linha que tu lês depois que eu as estampo no jornal, no site, enfim, ou até mesmo num pedaço de papel que vai parar no fundo da gaveta de minha escrivaninha ou num arquivo do meu celular ou computador.

Chegou até aqui comigo e agora, meu caro leitor, me parece que desejas saber se a minha caixa postal recebeu, no dia seguinte, alguma mensagem. Várias, te respondo de chofre. Não uma, mas um caminhão delas enviadas por uma miríade de pessoas oriundas de diversos estratos sociais, que não convém aqui especificar, já que não é essa a natureza desta crônica, pois, o seu objetivo, como afiancei no início, é tão somente preencher um quarto de página dum caderno que pode ser lido assim que o jornal impresso chega à casa do assinante ou pode ficar esperando o dia todo para ser lido. Todavia, creio que posso abrir uma ou outra mensagem, pois em várias delas, os signatários usaram pseudônimos para não serem reconhecidos, talvez por estarem no meio da tempestade chamada separação, quando aquele sonho construído, meio que capenga, há algumas décadas, acaba ruindo sem que os nubentes de outrora saibam os reais motivos: cada um dos parceiros de dança acaba procurando outros caminhos, mas como fazer isso, carregando nas costas a falência dum casamento que não se sabe ao certo como começou?

Numa dessas mensagens o emissário, não foi possível identificar o seu gênero, mas pouco importa, pois o mais interessante é o conteúdo e o seu significado. A pessoa inicia o seu enredo dizendo: “queria me arrumar para ele[a]”. Olha aí meu caro leitor, a dubiedade na identificação do remetente. “Mas como fazer isso se eu não conheço a pessoa? Mais louco ainda é saber que eu mesma não me conheço enquanto ser que deseja o outro. Me perguntei, já te questionando, meu caro cronista, completamente nu[a], despida[o] de sentido para esse mundo: por que me casei, se não sei ao certo se, casei-me comigo mesma?”. O conteúdo se encerra aí e eu fiquei cá com a pergunta a me confabular o dia todo, mas havia outra que se somou a essa e, creio que vai te deixar tão encabulado quanto eu. A remetente, a exemplo do anterior, também foi lacônica, sem deixar de ser profunda e profícua. Segundo ela[e], “entre os casais, sempre tem um que fala mais e outro gosta mais do mutismo. Quando o silêncio se faz total é porque a granada está prestes a explodir e será detonada em breve. Resta saber como e quando”.

Esse texto-mensagem bateu lá no fundo do cérebro, onde o ser reside, protegido das mazelas sociais e pela construção dum outro eu diferente daquele que habita em meus pensamentos. Olhem bem, meus caros leitores, uso a primeira pessoa, mas bem que poderia utilizar a terceira pessoa gramatical, mas para não ser tão arbitrário como os relacionamentos amorosos, ou quase isso, que têm início sem saber como e nem o porquê e acabam se dissolvendo quando a interpelação chega através do singelo questionamento: “por que fez essa opção, quando havia tantas outras à sua disposição?” Enfim, para não te agastar com tantas perguntas e querelas, fico por aqui, no afã de que tu tenhas de fato, compreendido quais eram as minhas intenções ao produzir um quarto de página daquele período. Ou seja, proporcionar aos meus leitores, um entretenimento a partir de uma reflexão quase que filosófica. É isso aí, continuem se perguntando, entretanto, não temam as respostas que o seu interior lhe enviar ao seu exterior.

 

Gilberto de Assis Barbosa dos Santos, licenciado, bacharel e mestre em Ciências Sociais, editor do site www.criticapontual.com.br, autor do livro O sentido da República em Esaú e Jacó, de Machado de Assis; professor no ensino médio em Penápolis. e-mail:   gilcriticapontual@gmail.com, d.gilberto20@yahoo.com. www.criticapontual.com.br.

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