Cárcere em caos

Gilberto Barbosa dos Santos

 

Depois de duas semanas seguidas enfocando o mundo educacional brasileiro, eis que hoje pretendo tratar de outra temática que pode, em linhas gerais, ser uma das consequências de como a sociedade lida com a área que foi escopo das últimas reflexões abordadas aqui neste espaço, sem levar em contra o processo histórico. O assunto parece ser complexo e o é, em virtude não só dos fatos que marcaram o início deste ano nas regiões Norte e Nordeste do país, mas, sobretudo porque diz respeito ao encarceramento de pessoas que transgrediram as leis e devem cumprir as penas aplicadas pela Justiça.

Que me corrijam os juristas e outros doutos em interpretação das leis e outras hermenêuticas, mas me parece que a lei de execuções penais define que cada detento deve cumprir sua sentença em um espaço de seis metros quadrados. É claro que na prática, isso não acontece no Brasil, evidenciando mais essa faceta da legislação que se enquadra no chavão cunhado no começo do século XIX “para inglês ver” e o mesmo está atrelado à história da escravidão brasileira. Conta a história que os ingleses, após darem apoio às naus lisboetas que davam fuga à Corte da Europa em virtude da sanha anexadora perpetrada pelo “Imperador” Napoleão Bonaparte, começaram cobrar a fatura por tal respaldo e um dos preços a pagar seria o fim do trabalho servil nas terras do além-mar.

Claro que o desejo dos britânicos não tinha nada a ver com humanitarismo ou coisa que o valha, como espírito de fraternidade, mas sim puro interesse econômico, pois ao aportar aqui a Família Real autorizou a abertura dos portos às nações amigas. Pois bem, quem seriam esses países amigos se a sanha napoleônica varria o velho continente, sendo que a Inglaterra ainda resistia a tal investida? A resposta é muito simples: os ingleses. Portanto, o escopo dos habitantes da terra da rainha era modificar o mais rápido possível o sistema que escudava a economia da colônia que viria se transformar posteriormente em Metrópole. Todos são cônscios de que a estrutura era escravista e, em virtude disso, não teria como os produtos manufaturados e industrializados na Inglaterra serem comercializados aqui. Desta forma, havia a necessidade de se adotar o trabalho assalariado e, as autoridades luso-brasileiras para dar respostas aos anseios dos parceiros de além-mar, criaram leis e códigos que na prática não funcionavam. Um exemplo disso está na história do advogado Luiz Gama, cuja síntese pode ser encontrada no artigo A vitória amarga de Luiz Gama, escrito pelo historiador Luiz Felipe de Alencastro (http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/01/1732696-a-vitoria-amarga-de-luiz-gama.shtml).

Ou seja, desde aqueles tempos a Nação já convivia com um país de fato, isto é, real e outro ideal que podia estar contido nas leis, todavia, as distâncias entre os dois universos eram grandes e quem sofria mais com esse enorme espaço eram os cativos e seus descendentes que viviam a tripla condição nefasta: condenado a escravidão sem ter cometido crime algum; cumprir a pena em uma senzala fétida e sofrer todo tipo de sevícias perpetradas pelos seus algozes. Quando conseguiam, por beneplácito de algum escravagista benévolo, a alforria, estes carregavam consigo suas condições externadas na pele, sendo obrigado de quando em quando apresentarem as cartas de alforrias, documento que apontava serem livres, contudo, antes de poderem seguir suas jornadas, tinham sido humilhados em praça pública. Tratei dessa temática em dois artigos científicos que abordam o mesmo assunto em tempos distintos. O primeiro deles pode ser encontrado no http://revistas.marilia.unesp.br/index.php/levs/article/view/5054/3590 e o segundo no http://revistas.marilia.unesp.br/index.php/levs/article/view/5977/4015. Há ainda outro, mais recente que segue a mesma linha e pode ser acessado no http://seer.fclar.unesp.br/semaspas/article/view/8346/5836.

Mas porque fazer essa observação em caráter introdutório para tecer alguns comentários sobre o sistema carcerário brasileiro que está um caos, para não dizer que sempre esteve? A resposta pode começar pela maneira como o escravo era tratado, mesmo sendo aquele faltoso. Ele era punido severamente, muitas vezes, chegando ao óbito, quando não ficava em péssimas condições físicas. Pois bem, esse mecanismo de punição, de certa forma, ainda permanece no presente em diversas nuanças e para desenraizar isso, leva tempo e educação que foi negada aos indivíduos egressos da senzala e dum sistema que aviltou as gerações futuras dos africanos. Um exemplo do que estou apontando consta no livro A cabeça do brasileiro, de autoria do sociólogo Carlos Alberto Almeida. Em linhas gerais, a obra, após vasta pesquisa, destaca o que o brasileiro tem em mente quando a questão é étnica. Por exemplo, no âmbito dos encarcerados: grande percentual apontou que a maioria dos presídios tem como encarcerados os descendentes de escravos, quando a verdade não condiz com o que pensa o cidadão.

O tema é instigante e como tal merece mais reflexões, desta forma, busquei hoje uma pequena faceta das origens do problema que a sociedade brasileira enfrenta com muitas pessoas, sejam especializadas no assunto ou não, emitindo opiniões seguidas de sentenças sobre como solucionar o caos em que se transformou o sistema carcerário. Compreendo que o primeiro caminho a ser percorrido para começar a equacionar o problema político, responsável pela maioria das mazelas que aflige o cidadão comum. Mas como fazer isso quando a classe formada pelos representantes do povo deveria estar atrás das grades e olha que não é este que vos escreve que está apontando, mas sim os fatos.

 

Gilberto Barbosa dos Santos, sociólogo, professor no ensino superior e médio em Penápolis. Pesquisador do Grupo Pensamento Conservador – UNESP e membro do Conselho Editorial e Científico da revista LEVS-UNESP. Escreve às quintas-feiras neste espaço: www.criticapontual.com.br. E-mail: gilbertobarsantos@bol.com.br, gilcriticapontual@gmail.com, e social@criticapontual.com.br.

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