Burocracia e corrupção na política brasileira

Gilberto Barbosa dos Santos

 

Parece-me que é senso comum escrever sobre a corrupção e a baixa qualidade política brasileira, contudo, como não me canso de desejar um país diferente do que ai está, começando pelas transformações a partir de outubro deste ano, então permaneço na toada, ou seja, analisando, sinteticamente as “pérolas” que jorram das bicas instaladas no Congresso Nacional e os cantos que são entoados do centro do Palácio do Planalto, onde uma senhora se encastelou, juntamente com o seu grupo governista há 13 anos – ressalte-se que isso acontece por conta da anuência de um grupo de eleitores despolitizados – interessado em manter-se no alto do poder a qualquer custo, mesmo que seja necessário, ludibriar, tripudiar, mentir, manipular as leis através de determinados seres togados.  Esse é o retrato dum país assolado pela corrupção, funcionários da estrutura burocrática associados à classe plutocrática que objetiva enriquecer, nem que tenha que sobrepujar um amontoado de cadáveres sociais. Mas sempre foi assim? Eis a pergunta desta quinta-feira outonal, mesmo com altas temperaturas na Terra de Maria Chica.

Lendo um trabalho enfocando a morte enquanto um ritual festivo – concebido pelo historiador João José Reis – estou com a sensação de que, assim como ocorreu na Bahia Oitocentista, na Brasília do Terceiro Milênio está havendo uma cemiterada, todavia, não idêntica à soteropolitana do século XIX na qual os integrantes das classes baixas se revoltaram contra uma proposta do governo provincial de transferir os sepultamentos realizados nas igrejas para um cemitério, cujos túmulos seriam vendidos por uma empresa privada, mas no caso candango, os políticos estão enterrando todas as conquistas socioeconômicas acalentadas por milhares de brasileiros desde a intervenção republicana em 1889 que depôs o Monarca e toda a sua Corte – há quem diga que o desejo de melhorar de vida não pode ser definido a partir da Proclamação da República, mas um anseio humano desde que o Humano é humano.

Deixando esse caráter paradoxal do ser humano de querer viver bem, nem que para isso precise pisotear o seu semelhante – e olha que há diversos preceitos e provérbios religiosos que ensinam como ser diferente, entretanto, o indivíduo ensaia a diferença, mas na dúvida, faz tudo igual ao que não se devia fazer, isto é, o procedimento poderia ser se vir no outro o seu igual. Dito de outra forma, como nos apresenta Immanuel Kant numa de suas teses, deve-se agir de tal forma que a atitude possa ser universal, quer dizer, que seja uma conduta global. Desta forma, se o político que encaminha para a vala comum o desejo do brasileiro por uma vida melhor, mas promete mais isso e mais aquilo, ele estaria reproduzindo o comportamento de quem lhe facultou o voto, sem isso não seria eleito se apossando de um assento na estrutura governamental, seja na esfera municipal, estadual ou federal no campo do legislativo, executivo ou judicial – é preciso ter claro que os integrantes da Corte Suprema são, desde a Constituição Monárquica de 1824, indicados pelo chefe da Nação – Império e agora República. Portanto, ao escolher o mandatário do país, o eleitor, sem, às vezes perceber direito, está fornecendo ao vencedor a prerrogativa de indicar os togados do Supremo Tribunal Federal que necessariamente não precisam ser juízes de carreira.

Se isso é fato, então o que dizer da casta de burocratas que escudam a estrutura político-administrativa brasileira? Outro dia lendo parte da correspondência que o escritor Machado de Assis mantinha com seus amigos, críticos e outros literatos da época, me deparei com o conteúdo de uma carta que Miguel de Novais, cunhado do folhetinista, lhe enviara. No texto, que era uma resposta às indagações feitas pelo cronista sobre o seu trabalho numa das secretarias do governo monárquico, o autor fez, de forma cínica, a seguinte observação: “o funcionário público honesto e consciencioso deve cumprir com os seus deveres que a lei lhe impõe – tudo quanto fizer demais é só em prejuízo próprio – o governo não reconhece, nem quer saber dos serviços extraordinários: os colegas veem sempre com maus olhos aquele que procura distinguir-se da assiduidade ao trabalho. Meu amigo, cá e lá é assim. O empregado público deve andar sempre com uma perna às costas e aquele que faz uso das duas para andar mais ligeiro, sucede-lhe tropeçar, cair, e em vez de chegar primeiro à meta que atinge, fica na retaguarda e chega tarde”. Significativas observações que Miguel Novais fez a Machado de Assis em meados das duas últimas décadas do Brasil Oitocentista. Elas valem uma reflexão à parte.

Contudo, essas admoestações encaminhadas ao romancista que nos legou diversas obras como Esaú e Jacó, associadas ao conteúdo das cartas que o também escritor-político José de Alencar enviou ao Imperador Do, Pedro II no começo da década 60 do século XIX, nos permitem compreender porque a corrupção ainda continua sangrando as finanças públicas neste Terceiro Milênio, ganhando institucionalidade, conforme alguns cientistas e intelectuais independentes de ideologia veem apregoando, nos últimos 13 anos. Isso vem ocorrendo, em virtude da vontade do presente grupo, de acordo com um integrante da Corte Suprema – Gilmar Ferreira Mendes – eternizar-se no poder. A discussão é: como fazer isso? Contar com a anuência do povo despolitizado e ávido por mudar de vida, nem que para isso, acredite no canto da sereia e na multiplicação de penduricalhos tecnológicos. Se o desejo de escalar a montanha do consumo é contemplado, o que importa se os autores desses mecanismos, sorrateiramente se locupletam com plutocratas para desfalcar as finanças públicas. Sendo assim, enquanto os anseios estão contemplados pelas fantasmagóricas “mercadorias”, não tem com que se preocupar, mas bastou a máquina de sonhos engripar, isto é, enferrujar, para a grita ser geral.

Tanto José de Alencar quanto o cunhado de Machado de Assis apontaram para as gerações futuras, reservadas as devidas proporções, um grande problema que deveria ser enfrentado pelos governos da combalida Monarquia e da oscilante República. Todavia, chegamos ao Terceiro Milênio e as questões apontadas no século XIX continuam assombrando o país e os partidos que, durante as sucessivas campanhas, bradavam credos que passavam a ideia de asseclas e demais seguidores serem éticos e morais. Esses brados estão se desmoronando, descongelando como os icebergs derretem sob o efeito estufa. Não se pode dizer que a corrupção é um fenômeno novo no Brasil, contudo, é possível apontar que a sua utilização como ferramenta para manter-se no poder é algo a ser considerado e analisado sem a perspectiva ideológico-partidária, ou seja, com significativo grau de isenção. O resto é bravata de quem deseja ficar ditando as regras num universo plutocrático que conta com cidadãos viciados em uma democracia delegativa e não participativa, conforme já apontei aqui em outros momentos. Por hoje é só, mas fiquemos atentos aos pequenos deslizes de servidores públicos que engrossam o segmento de plutocratas, cuja consequência é a pífia educação pública, saúde pública e segurança pública que temos. Se não houver conscientização, o povo continuará na UTI a espera de doses de cidadania para voltar a respirar sem ajuda de aparelhos sociais.

 

Gilberto Barbosa dos Santos, sociólogo, professor no ensino superior (FASSP) e médio em Penápolis (Colégio Futuro/COC e UP-Pré-vestibulares/Objetivo). Pesquisador do Grupo Pensamento Conservador – UNESP e membro do Conselho Editorial e Científico da revista LEVS-UNESP. Escreve às quintas-feiras neste espaço: www.criticapontual.com.br. E-mail: gilbertobarsantos@bol.com.br, gilcriticapontual@gmail.com, e gilberto_jinterior@hotmail.com .

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