Autocrítica e reflexão

Gilberto Barbosa dos Santos

 

Na noite da última terça-feira, 17, esteve em Penápolis o economista e professor do IE (Instituto de Economia) da UNICAMP (Universidade Estadual de Campinas), Márcio Pochamann, ministrando a palestra Capitalismo, Classe Trabalhadora e Luta Política no Século XXI. Fui lá conferir o conteúdo e, de quebra, pedir para que o economista, petista, autografasse o livro que ele escreveu Desigualdade econômica no Brasil. Até ai nada de mais que seja, quem sabe, do interesse dos meus leitores, entretanto, durante sua preleção, Pochamann falou muitas coisas, várias delas direcionadas aos militantes partidários do PT e professores e filiados ao sindicato da categoria – o evento aconteceu na subsede da Apeoesp.

O catedrático da UNICAMP iniciou os trabalhos recuperando um pouco a história econômica e social do país, principalmente aquele recém-saído da escravidão e como o trabalho do ex-cativo foi substituído pelo europeu imigrante, conforme a historiadora também do IFCH (Instituto de Filosofia e Ciências Humanas) da Universidade Estadual de Campinas, Celia Maria Marinho de Azevedo – com quem tive o prazer de conviver nos meus tempos de UNICAMP -, explica em seu livro Onda negra, medo branco: o negro no imaginário das elites do século XIX – quem ainda não leu, recomendo. Foi interessante observar a recuperação histórica daqueles momentos para tentar compreender o papel das elites Oitocentistas na transição do trabalho escravo para o livre, levando em conta que o objetivo era manter o africano em sua senzala fétida e repugnante esperando a morte chegar, sem condições de conseguir a tão sonhada cidadania, principalmente através da educação e, por conseguinte, obter condições de competir em igualdade no mercado de trabalho e naquele arremedo de sociedade liberal – todos sabem que o Brasil nunca foi liberal [eis uma das origens da desigualdade sociais no Brasil], pensando a partir dos preceitos traçados por John Locke (1632-1704). Desta forma, o que se tem aqui é um capitalismo que se pode chamar à moda brasileira, pois foi forjado no desprezo ao trabalho, visto como uma categoria destinada somente aos seres inferiores. Para completar esse ciclo histórico e entender os objetivos de Pochmann naquela ocasião, é interessante aqueles que me leem percorrerem, de forma crítica, as páginas compostas pelo Sociólogo Jessé Souza em A elite do atraso: da escravidão à lava jato – muitos podem discordar do que Souza disse, todavia, é preciso atentar para os seus conteúdos.

Esse trecho da preleção de Márcio Pochamnn foi muito significativa, pois me possibilita – como já venho fazendo há quase 30 anos – analisar, de forma racional e sem o verniz ideológico, o Brasil do momento em que não existem mais legendas, mas sim feudos e oligarquias partidárias com roupagens e adjetivações que os levam à flutuar da chamada direita à esquerda, como se ambos predicativos dessem aos seus detentores ingressos a determinados ciclos de profissionais, empregos, trabalhos e debates intelectuais. Mas pensar o Brasil a partir de determinados preceitos é tarefa árdua, já que requer do indivíduo que se propõe a fazer tal ação, uma quantidade considerável de trabalho analítico, avaliação, além de recorrer a uma fortuna bibliográfica sobre determinado assunto, como por exemplo, a escravidão e seu legado para a economia, aos movimentos sociais e, por conseguinte, às influências na esfera da política no seu sentido mais amplo e partidário. Sendo assim, as explanações do economista do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho, da UNICAMP, foram significativas.

Outro ponto ressaltado por Pochmann que me chamou atenção, já que venho a algum tempo externando essas observações, sem que muito dos meus interlocutores compreendam ao certo onde pretendo estacionar a minha reflexão. Vários dos presentes ao debate fizeram diversas perguntas ao palestrante, muitas desses questionamentos voltados para a esfera partidária, mas algumas foram significativas porque dizem respeito a aspectos importantes e caros ao partido que vivem às turras numa luta hercúlea com a Justiça brasileira, já que o principal nome da agremiação está preso cumprindo uma sentença de 12 anos aplicada pelo Tribunal Regional Federal e, em virtude disso, conforme os dispositivos da lei da Ficha Limpa – sancionada por ele mesmo – não poderá participar do pleito que, em outubro, escolherá o novo presidente do Brasil. A interpelação feita diz respeito à maneira como os correligionários deveriam pensar o país e desta forma, levar essas informações aos eleitores que estejam descontentes e propensos a anularem seus votos ou, nem comparecer nas urnas daqui a quase 90 dias, optando por pagarem multas que serão direcionadas aos Fundos Partidários.

Márcio Pochmann afirmou que as classes sociais, como se conhecia até então, ou seja, burguesia e proletariado, se esfacelaram, dificultando o trabalho daqueles que pretendem conscientizar o brasileiro, objetivando a construção duma nova Nação. Segundo o palestrante, o operário industrial que existia até o começo da década de 90 não existe mais, dando lugar a imensa massa de sujeitos flutuando no setor terciário, formada por microempreendedores, “pejotizados” – pessoas jurídicas que compõem uma categoria específica de cidadão preocupada com o crescimento da mão do Estado em seus pequenos lucros diários. É esse conglomerado de indivíduos que pode estar subsumindo os sujeitos políticos que se recusam a participar ativamente da vida política na polis, diante das irregularidades e atos corruptíveis que emanam do alto do trono – para lembrar o processo alegórico construído pelo escritor Joaquim Maria Machado de Assis (1839-1980) em seu romance Memórias póstumas de Brás Cubas, mais especificamente no capítulo Ideia fixa.

Enquanto o professor da UNICAMP fazia suas explanações acerca da pejotizaçao brasileira, lembrei-me das conversas que mantive com outro Sociólogo e hoje professor livre-docente da Universidade Estadual de Campinas, Marcelo Ridenti. Os diálogos que tive com ele ao longo da primeira metade da década de 90 foram corroborados pela leitura de seu livro Classes sociais e representação – parte integrante de sua tese de doutoramento em Sociologia na USP. A obra, em tamanho bolso, faz, de forma didática, um balanço das contribuições teóricas de vários pensadores que se dedicaram a analisar as classes sociais e suas representações no capitalismo contemporâneo e em sua faceta financista [Karl Marx; Edward Thompson; Nico Poulantzas; Perry Anderson; Adam Przerworski; Henry Braverman; Michel Löwy; Boris Fausto, José Arthur Giannotti e Chico de Oliveira]. Tendo essa abordagem como premissa, é preciso observar que a crise na esfera da política brasileira – pelo menos eu compreendo desta forma e ai a reflexão precisa ser detalhada, no entanto, aqui não é o espaço apropriado – ocorre justamente pela dificuldade dos agentes partidários – já que é no interior das legendas que as discussões sobre um Brasil diferente devem ser realizadas – dialogar com essas miríades de categorias sociais que surgem com a globalização e o capitalismo financeiro. Eis o desafio para todos nós, independentemente da ideologia ou credo que se professe do ponto de vista político. Parece-me que o ponto de partida é uma autocrítica seguida de reflexões sobre os passos dados no passado recente desta Nação. Voltarei ao tema em momento alvissareiro.

 

Gilberto Barbosa dos Santos, Sociólogo político, editor do site www.criticapontual.com.br, autor do livro O sentido da República em Esaú e Jacó, de Machado de Assis; professor do ensino superior e médio em Penápolis; pesquisador do Grupo de Pensamento Conservador – UNESP – Araraquara e membro do Conselho Editorial e Científico da revista LEVS (Laboratório de Estudos da Violência e Segurança) – UNESP – Marília; escreve às quintas-feiras neste espaço: e-mail: gildassociais@bol.com.br; gilcriticapontual@gmail.com. www.criticapontual.com.br.

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