As escolhas e suas adjetivações

Gilberto Barbosa dos Santos

 

Quando o ser humano faz uma escolha, por exemplo, do que irá pedir no cardápio do restaurante – seja ele simples ou sofisticado – até a roupa que usará, está utilizando diversos fatores que lhe são externos, uns arbitrários, coercitivos, como nos dizia Emile Durkheim (1858-1917) quando criou um método para compreender a sociedade que lhe saltava aos olhos, sem que pudesse fazer muito para modificá-la, portanto, somente entende-la até o limite da razão. Pois bem! Se isso é fato e tendo a crer que sim, pode-se acrescentar aí os elementos subjetivos próprios de cada sujeito que deve seguir à risca ao que dizia o criador da metafísica lá na longínqua Grécia: “conheça-te a ti mesmo”. E ao usar esse expediente, afirmava não saber de nada e essa máxima era mais significativa para aquele período em que a Filosofia ocidental dava seus primeiros passos, objetivando se desvencilhar do universo mítico reinante até então como forma de interpretar o mundo material e abstrato.

Será que é possível, da mesma forma em que se sugere o que se deseja comer num jantar a dois, ou em grupo de amigos num restaurante, escolher um adjetivo no campo profissional? Interpelando de outra forma: será que o homem é livre para indicar o que deseja ser no futuro? A inquirição tem sentido, justamente nesse momento em que o mundo do trabalho ganha novas nuanças, inclusive que podem ser classificadas como sociedade do pós-trabalho e o sentido das imigrações e migrações ganham nova roupagem, pois a exemplo do relata o escritor Xavier de Maistre (1763-1852)em seu livro Viagem ao redor do meu quarto (SP: Editora 34, 2020), é possível que se desenvolva atividades laborais a partir da própria casa, como ficou evidente durante esses quase dois anos de pandemia – arrisco a dizer que findando o fantasma que ronda a espécie humana conduzido pelo vírus, a sociedade e os indivíduos não serão mais os mesmos e por conseguinte, as atividades laborais também.

Caso este que vos escreve, meu caro leitor, esteja certo, qual será o novo ser que surgirá da avalanche provocada pelas variações do H1N1 que, para quem não sabe, é o vírus da gripe que estava presente entre 1918-1920 durante a chamada pandemia da Gripe Espanhola. Não se pode deixar de atentar para a Peste Negra que grassou a Europa medievalista através das pulgas que cavalgavam os ratos que, ao não encontrar predadores em grandes quantidades, pois os gatos tinham sido vítimas da chamada pandemia da ignorância Massacre dos gatos, se encarregarem de transportar a moléstia que, depois de um tempo, não provocava mais sentimentos de pesar nos que permaneciam vivos, inclusive motivando um poema significativa cujo principal refrão era “para quem os sinos dobram”. Posto isso, me pergunto se a humanidade estará mais solidária ou mais solitária? Repare, leitor, que os termos parecem semelhantes, inclusive na sonoridade, contudo, de significados diferentes, sendo que o primeiro diz respeito a congregações fraternais e a segunda faz alusão a se fazer parte da multidão, contudo, permanecer-se sozinho. Neste sentido, fico com outra interpelação: se o homem não consegue viver isolado, daí a necessidade de se construir sociedades, por que tende a se distanciar das grandes aglomerações, mas ao mesmo tempo odiar o isolamento social provocado pela pandemia?

É! Como podes ver até o parágrafo anterior, meu caro leitor, ainda me encontro na fase dos questionamentos, sempre objetivando compreender o homem que almeja ardentemente se tornar humano, contudo, destrói tudo que existe ao seu redor, principalmente a natureza que é responsável pela vida do ser que se pretende um dia se tornar um indivíduo consciente e emancipado. Os relatos que me chegam são altamente tóxicos e entristecedores, pois mesmo que o meio ambiente e os cientistas sérios e comprometidos com a melhoria da vida na terra, indiquem que é preciso um freio na destruição, desmatamento, poluição dos rios, a humanidade produz cotidianamente, mesmo que lentamente, a própria destruição. O fenômeno não é novo, todavia, ganhou proporções gigantescas e catastróficas nas últimas décadas. Sou cônscio de que, assim como minhas escritas são solitárias, há outras tantas espalhadas pelo mundo à espera de serem não apenas lidas, mas sobretudo, utilizadas para alinhavar novas posturas, fazendo com que as pessoas abandonem velhos hábitos, principalmente no que diz respeito à alimentação, que não cabem mais no presente desta sociedade que se fragmenta, na medida em que pretende se unificar através dos penduricalhos materiais.

Neste ponto retomo a nomeada desta reflexão, justamente por querer entender o sentido dos adjetivos na vida do ser social. Caso eu esteja equivocado, que me corrijam, mas me parece que os adjetivos são aqueles que qualificam o sujeito e, se for isso, Sócrates na Grécia Antiga, usava da ironia para desmontar o que o indivíduo pensava ser a partir do externo e não do seu ente interno, aquele que pulsa antes e para o existir social. Sendo assim, será interessante, meu caro leitor, se perguntar quem tu és, ou podemos, socializar a interpelação, extrapolando para a humanidade como um todo e, desta forma, inquirir: o que é a humanidade, ou melhor, quem é o ser que pretende se tornar humano ou se arrogar  o direito de se adjetivar enquanto humano, demasiado humano, para lembrar um pouco o filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1884-1900), autor de várias obras, entre elas O nascimento da tragédia ou helenismo e pessimismo (São Paulo: Companhia das Letras, 1992). Nesta obra, o autor diz que o poeta só o é “porque se vê cercado de figuras que vivem e atuam diante dele e em cujo ser mais íntimo seu olhar penetra” (1992, p. 59). Soma-se a esse olhar nietzschiano o pensamento de Immanuel Kant (1724-1804), segundo o qual o homem deve, visando o devir da humanidade, agir de maneira que sua ação possa ser universalizada.

Acrescento às linhas acima, um excerto do texto Apologia do isentão, do cronista lusitano João Paulo Coutinho e publicado pelo jornal Folha de S. Paulo em sua edição da última terça-feira, 21 de setembro. “Mas o tempo não está para erudições. Como escreve [o imigrante austríaco] Stefan Zweig [1881-1942] em passagem que poderia ter sido produzida hoje, ‘ninguém quer compreender o seu vizinho; cada um quer impor ao outro, pela violência, as ideias do seu partido, a sua doutrina; e infelizes daqueles que queriam manter-se à parte ou permanecer fiéis às suas próprias opiniões; os que desejariam manter-se entre os partidos ou acima deles são objeto de um duplo ódio’”. Esse pequeno fragmento me deixou aqui refletindo sobre o momento que a humanidade percorre, seja no Brasil ou no mundo globalizado. Não adianta, os aluados defensores do indefensável ficar apregoando, satanizado a globalização, porque como dizia o professor Octavio Ianni (1926-2004) durante o curso intitulado Teorias da Globalização lá no início dos anos 90 nas salas do prédio do IFCH pertencente a UNICAMP: “a globalização é isso ai” e logo depois nos desafiava a apresentar soluções e saídas para as mazelas e desigualdades sociais provocadas pela internacionalização dos capitais e da vida ativa na polis, além das intimidades, afetividades e demais subjetividades que os sujeitos são portadores. Enfim, o adjetivo é coercitivo, é uma imposição ou uma escolha do sujeito emancipado transformado em cidadão de fato e de direito?

 

Gilberto Barbosa dos Santos, Sociólogo político, editor do site www.criticapontual.com.br, autor do livro O sentido da República em Esaú e Jacó, de Machado de Assis; professor no ensino médio em Penápolis; pesquisador do Grupo de Pensamento Conservador – UNESP – Araraquara e membro do Conselho Editorial e Científico da revista LEVS (Laboratório de Estudos da Violência e Segurança) – UNESP – Marília; escreve às quintas-feiras neste espaço: e-mail:   gilcriticapontual@gmail.com. www.criticapontual.com.br.

 

 

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