Ainda o Brasil e o seu sistema educacional

Gilberto Barbosa dos Santos

 

O jurista Rui Barbosa (1849-1923), um dos grandes mestres que este país já teve, disse certa vez que uma Nação de faz com homens e livros. Porém, não somente de livros, mas sobretudo de sujeitos que os leiam e tenham condições de fazer as devidas conexões de sentido com a realidade concreta. Contudo, no Brasil do século XXI, principalmente aquele que despertou da letargia política da última década, a educação não é o melhor para transformar uma sociedade que ainda não se sabe republicana ou monárquica, numa Nação Republicana. Pelo menos é isso que pensam as autoridades palacianas constituídas eleitoralmente a partir de outubro do ano passado. O conteúdo desse parágrafo que será estendido até o final do artigo, tem como escopo iniciar uma discussão sobre a Universidade Pública Brasileira. Muitos dizem isso e aquilo, contudo, ao que tudo indica, pelo teor de tais verborragias, muitas das vozes que propagam todo tipo de inverdades sobre esses centros de produção do saber, desconhecem de fato o que elas significam, daí aceitarem discursos escudados em montagens esdruxulas de imagens para desqualificar os profissionais que lá trabalham, bem como os próprios estudantes. Faço essas observações iniciais porque sou egresso de duas das principais universidades públicas da América Latina e não posso deixar que denigram a imagem desses centros de conhecimento, sob qualquer pretexto.

Sendo assim, vou direto ao que interessa: a universidade pública, contrário ao que muitos dizem, não é elitista. Pelo contrário, ela é de todos os brasileiros, conforme consta na Constituição Federal em diversos de seus dispositivos. O seu processo seletivo é extremamente concorrido e existem cursos que cada vaga é disputada por mais de 100 postulantes a universitários. A pergunta que se faz, ou melhor, que meus alunos secundaristas me dirigem é a seguinte: “professor, o que eu preciso fazer para ingressar numa dessas instituições”? A minha resposta tem três pontos: Foco, Disciplina e muito Estudo. Essa trindade de princípios vale para tudo na vida, portanto, é só dar o primeiro passo: planejamento. Quando comecei, no início de 1989, a estudar com os livros da Biblioteca Pública Municipal aqui em Penápolis, escutei várias vezes que “você não conseguirá”, e que eu era um visionário. No final daquele ano, o resultado veio e o resto da história todos, ou aqueles que me conhecem desde aquele período, já sabem.

Em virtude dessa narrativa de superação, é que não posso aceitar pessoas, que desconhecem a universidade pública e seus múltiplos ambientes, venham escarnece-la, usando como referencial imagens para lá de duvidosas e espalhadas com o objetivo de ludibriar e entorpecer a visão de mundo daqueles que desconhecem os espaços universitários e acadêmicos. É lamentável que a sociedade ainda acredite em certas coisas que são propaladas com interesses escusos, objetivando encontrar eco entre os mais desavisados e sucatear aqueles centros de excelência. Desta forma, penso que, ao invés de engrossar as vozes dos que torcem para o pior ou encontrem um Salvador da Pátria para as suas mazelas pessoais, por que não lutem por uma universidade melhor? Por que não exigem que as escolas públicas se tornem centros de excelência e tenham condições de competir em igualdade com as escolas particulares, como outrora o fora? Tudo de ruim que acontece dentro duma unidade ensino secundário ganha proporções gigantescas, mas quando algo relevante ocorre, nada é divulgado e quando o é, é de forma rápida, rasteira, numa espécie de nota de rodapé. Triste a Nação que maltratada a educação, como vem acontecendo no Brasil.

Posto isto, fica-me uma interpelação: por que o brasileiro é apressado para condenar e tem dificuldade em aplaudir os vitoriosos que chegaram onde estão por mérito e não por bajulação de quem se encontra no alto do poder? Esse questionamento me leva a fazer uma releitura de Machado de Assis (1839-1908) e buscar em suas narrativas, elementos ficcionais que me possibilitem equacionar tal interrogação. Mas para que fazer isso mesmo? Qual é a importância de se percorrer as páginas deixadas por um dos maiores escritores universais e um dos principais nomes da literatura brasileira? Ler William Shakespeare (1564-1616) então, está fora de questão. Marcel Proust (1871-1922) então? Nem pensar! Se não pode nada disso, o que resta para o cidadão que quer enxergar apara além para além do muro que projeta imagens fantasmagóricas nas paredes dos castelos assombrados pela ignorância? Ler Platão e a alegoria da caverna? Creio que não pode nada, exceto aquilo que uma suposta direita diz que é para ser consumido pelos sujeitos que querem se tornar inteligíveis. Contudo, o ato de se pensar é livre, conforme diz a Carta Magna brasileira e ela pode proporcionar ao cidadão o direito de se manifestar sobre qualquer assunto. Desta forma, pode-se ser contra a Universidade Pública e gratuita, mas é preciso explicar porque se se posiciona desta ou de outra maneira.

Parece-me que a problemática está na ausência duma prática nas famílias que frequentam as categorias de baixo da pirâmide social ou que vivem numa espécie de gangorra social, ou seja, num determinado período pertence as subclasses que compõem a chamada classe média e num outro momento está beijando as cercanias das chamadas classes D e E. Talvez esse efeito sanfona seja, de fato, o formador dum pensamento reacionário, no sentido de se reagir ao que ai está, principalmente quando não se consegue se manter de pé na tão almejada classe média. Lembro-me dum artigo que a escritora gaúcha Lia Luftt – prefiro a cronista do que a escritora, mas isso é uma questão de gosto – publicou numa revista de circulação nacional, explicando o que seria pertencer a uma suposta classe média brasileira. Na sua visão de mundo, não basta adquirir penduricalhos e conseguir o tão sonhado automóvel, mas sim, acessar bens culturais que nem sempre são possíveis externá-los materialmente, como um veículo automotor. Por exemplo, depois de ler o romance “Eu vos abraço, milhões”, do literato gaúcho Moacyr Scliar (1937-2011) o que fazer com o que absorveu? Ir a uma exposição do escultor francês Auguste Rodin (1840-1917) – namorado de Camille Claudel (1864-1943)? Quem ler atentamente aquele artigo de Lia Luft ficaria com a sensação de que fazer parte da classe média extrapola a aquisição de bens concretos, chegando ao fato de usar uma tarde livre para ler O conde de Monte Cristo e vibrar com as peripécias de Edmund Dante que consegue derrotar os algozes que o mandaram para o cárcere, ficando lá por 13 anos.

Deixando essas questões para um outro momento e retomando o escopo deste artigo, pergunto-vos meus caros leitores, por que a sociedade brasileira tem tanto ranço, ódio das universidades públicas e, de quebra, dos cursos da chamada área de Humanas? Eu sinceramente gostaria de saber, mesmo querendo crer que não passe de manifestação dum pequeno grupo, que quiçá o barulho que faz, não tem expressividade alguma e ganhou voz com a chegada dum determinado político à presidência da República. Mas, me parece que a questão não é tão simples assim, precisando ser analisada racionalmente por nós, cientistas sociais, a partir da ideia de ressentimentos políticos e suas consequências a um sistema presidencialista de coalisão que se tornou de cooptação, escancarando a corrupção que grassa esse pais desde a Colônia.

 

Gilberto Barbosa dos Santos, Sociólogo político, editor do site www.criticapontual.com.br, autor do livro O sentido da República em Esaú e Jacó, de Machado de Assis; professor do ensino superior e médio em Penápolis; pesquisador do Grupo de Pensamento Conservador – UNESP – Araraquara e membro do Conselho Editorial e Científico da revista LEVS (Laboratório de Estudos da Violência e Segurança) – UNESP – Marília; escreve às quintas-feiras neste espaço: e-mail: gildassociais@bol.com.br; gilcriticapontual@gmail.com. www.criticapontual.com.br.

 

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