A política e o ato de politicar

Gilberto Barbosa dos Santos

 

Parafraseando um político de vertente populista brasileiro que está com condenações em segunda instância na Justiça brasileira, “nunca antes na história do Brasil” é tão necessária a discussão e o debate sobre política e os rumos que a democracia no país tomará nesta Nação que ainda flerta com o autoritarismo, mesmo sendo República mais parecida com uma Monarquia que, sem títulos nobiliárquicos, mantêm a condição, isto é, sem Corte e Coroa, porém, contendo a pompa de um reino atolado até o pescoço com os privilégios e manutenção de uma máquina burocrática inoperante e interligada à plutocracia que vocifera liberalismo, porém, está agarrada com unhas e dentes às paredes que formam os palácios governamentais e seus legislativos. Entendo que sem prévio conhecimento, mínimo que seja, da história de qualquer quadrante que forma um continente – e olha que o nosso país possui dimensões continentais – não é possível começar qualquer discussão. Talvez pela ausência deste saber correto dos fatos e não como desejam determinados segmentos que se encastelam no poder, é que o Brasil não avança em questões básicas da convivência em sociedade.

Posto isto meus caros parceiros de leitura, creio que muito se foi propalado sobre o universo da política brasileira, mas eleição após eleição, a coisa não se modifica e, neste sentido, sempre me fica aquela perguntinha meio amarga: por que a Nação não consegue se modernizar, como é esperado duma sociedade que se pensa liberal? Parece-me que cada um de nós temos tantas respostas quanto o número de estrelas existentes no céu, mas, colocá-las em prática se torna o grande desafio, primeiro, porque, como já afirmei outras vezes, o vácuo estomacal é inimigo daqueles que tentam nadar contra a corrente. O medo de passar fome e ver a prole com necessidades básicas não atendidas, faz com que o homem pense e repense várias vezes as ações que deve tomar no instante seguinte à interpelação que lhe é lançada. É corriqueira as narrativas espalhadas pelo interior do Brasil e em muito das mais de cinco mil cidades brasileiras, segundo as quais, um voto vale R$ 100 ou até menos. Programas assistenciais adotados por miríades de governos que vão e vem na capital federal objetivam mais alienar do que emancipar o sujeito que é assistido. E há ainda aqueles casos em que pessoas que não precisam dos valores, acabam recebendo por meses, anos a fio, totalizando uma imensa fraude, cujas denúncias se perdem nos corredores dos palácios onde funcionam os executivos e os tribunais superiores, além de contar com a anuência de legislativos mais preocupados em manter o velho hábito, pois dizem seus presidentes: “sempre foi assim”.

Diante do exposto nos dois parágrafos acima, em minha pequena compreensão, se evidencia que as desigualdades sociais só tendem a ampliar por conta de sujeitos que fingem ser religiosos, vendem a tão sonhada liberdade individual, enquanto na outra parte da expansão de seus credos e dogmas, enriquecem usurpando a do cidadão. A coisa piora quando essa prática deixa os templos e acaba ingressando nos três poderes que deveriam ser laicos. Claro está que cada um deve seguir o caminho que bem lhe aprouver, contudo, entendo que, como sonhavam os fundadores da República, haveria separação entre Estado e Igreja. No medievo, os cardeais, papas e demais religiosos católicos determinavam os rumos da política a partir de dogmas e domínio do conhecimento. A ciência, com muito custo ressurgiu e aquilo que os antigos haviam legado à humanidade, vem à tona e, em consequência, o clero perdeu força, por pelo menos 400 anos. Todavia, como fantasmas insepultos, a coisa volta com força total e aquilo que que parecia estar sepultado assombra a democracia e os bons governos. A exemplo do que acontecia na Idade Média, muitos do presente perseguem cientistas, professores e educadores em nome de uma teologia da prosperidade em que apenas um quantum enriquece buscando a construção de uma teocracia à moda medievalista, conforme apresentou o cientista social Ronaldo de Almeida, em seu estudo Deus acima de todos, presente no livro Democracia em risco?: 22 ensaios sobre o Brasil de hoje (SP: Cia das Letras, 2019, p. 35-51).

Novamente reitero aqui meus olhares, segundo os quais, cada homem, conforme prevê os preceitos constitucionais, tem o direito de professar a fé que lhe convém, até mesmo a ideologia que assim desejar, no entanto, nenhuma forma de pensar e agir deve colocar em risco a democracia. Parece-me importante salientar que não é necessário desvirtuar as leis fundamentais que garantem os direitos individuais, como liberdades civis, sociais e políticas, para forçar uma guinada na sociedade. O Estado é laico e como tal deve permanecer, avançando ainda mais nas prerrogativas que objetivam a manutenção desta condição. Como diz um dos verbetes enciclopedistas: “não concordo com o que dizes, mas defenderei eternamente o direito de dizeres”. Portanto, não se deve forçar, sob quaisquer argumentos, que a sociedade tome um rumo que não o da democracia. Desta forma, não entendo os motivos que levam as pessoas, indivíduos que se creem melhores do que seus semelhantes, a agredirem aqueles que pensam diferente e não incorrem em nenhuma das leis vigentes do país, principalmente no que diz respeito ao pagamento de impostos, tributos e outras taxas.

No romance Ressurreição, o escritor russo Liev Tolstói (1828-1910) retrata a história dos Dukhobóri, uma população russa massacrada pelo império por conta de buscar seguir com suas formas de viver e existir. A obra teve como objetivo arrecadar fundos para que parte dessa comunidade pudesse deixar o país rumo a uma pátria que não fosse intolerante aos seus hábitos e costumes. Claro que isso aconteceu na Rússia Tzarista no século XIX, entretanto, está-se em pleno Terceiro Milênio e ainda é possível ser encontrado miríades de pessoas aqui no Brasil com perfis intolerantes a ponto de agredir, mesmo que verbalmente ou através do chamado ódio online quem não só pensa diferente, mas também luta pelos seus direitos num Estado democrático de Direito. Sendo assim, pergunto-vos meus caros leitores, quem delegou autoridade para as pessoas se acharem melhor do que seus semelhantes em virtude de razões religiosas, políticas e futebolísticas, para ficarmos apenas nessas três áreas? Entendo que posturas em que ficam latentes a incapacidade do sujeito viver em harmonia com quem pensa diferente, indicam que os agressores, mesmo que usem a forma simbólica, não se emancipou enquanto sujeito social e repete atos e ações que aprenderam dos pais e demais responsáveis. Desta forma, quando escuto uma pessoa reclamando dos políticos, dá vontade de perguntar se ela se lembra em quem votou na última eleição – vamos lá – municipal e porque fez tal escolha.

Claro está que as opções existentes no mercado político levam em conta vários aspectos, todavia, entendo que em sua maioria, esses valores, não representa em concretude o desejo de auxiliar o cidadão comum na sua emancipação individual e coletiva. As eleições para presidentes da Câmara e do Senado Federal nesta semana diz muito sobre esse desconhecimento do eleitorado, acostumado a delegar a outrem aquilo que é função dele: um exemplo está no fato de que pais terceirizam a educação dos filhos, principalmente em seus aspectos morais e éticos. Voltarei a essa temática em momento alvissareiro. Fico por aqui tentando entender como o verbo politicar ainda não indica a participação do povo nas decisões de sua sociedade. Lamentavelmente o voto é dado em forma de rebanho e não por eleitores. Resta saber quais são os reais interesses dos chamados cuidadores dessas pessoas arrebanhadas para ampliar as fileiras de uma ideologia da prosperidade em que poucos ganham, segundo Ronaldo de Almeida.

 

Gilberto Barbosa dos Santos, Sociólogo político, editor do site www.criticapontual.com.br, autor do livro O sentido da República em Esaú e Jacó, de Machado de Assis; professor no ensino médio em Penápolis; pesquisador do Grupo de Pensamento Conservador – UNESP – Araraquara e membro do Conselho Editorial e Científico da revista LEVS (Laboratório de Estudos da Violência e Segurança) – UNESP – Marília; escreve às quintas-feiras neste espaço: e-mail:   gilcriticapontual@gmail.com, d.gilberto20@yahoo.com,   www.criticapontual.com.br.

 

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *